JCEditores – O vídeo que viralizou nas redes sociais, retratando americanos apáticos em linhas de produção, pode até arrancar risadas de alguns, mas é uma caricatura que desrespeita a história de milhões de pessoas que construíram a potência americana com suor e resiliência. Antes de rotular o trabalhador americano como “preguiçoso” ou “incapaz”, é preciso lembrar que os empregos industriais — como os de montagem de circuitos ou costura, mostrados no vídeo — não desapareceram devido a falta de vontade de trabalhar.
Eles foram deliberadamente exportados para países como Bangladesh, Vietnã, Mianmar e China, onde a mão de obra é barata e os direitos trabalhistas são frágeis. Isso não foi uma escolha dos trabalhadores do “Cinturão da Ferrugem” (Rust Belt, em inglês), mas sim de grandes corporações e elites políticas, predominantes nas costas leste e oeste, que lucraram com acordos comerciais desiguais, deixando cidades industriais americanas entregues ao desemprego e ao abandono.
O termo “Cinturão da Ferrugem” abrange partes do Meio-Oeste e do Nordeste dos Estados Unidos, como Pensilvânia, Ohio, Michigan, Illinois e Wisconsin — estados que, há décadas, sofrem com o desemprego que devastou suas economias e, na mesma proporção, alimentou o aumento do consumo de drogas, especialmente heroína e fentanil.
Vídeo gerado por inteligência artificial, atribuído a um utilizador chinês do TikTok, retrata os EUA sob tarifas de Trump com americanos exaustos em fábricas.pic.twitter.com/NiUawSKgHP
— Mundo Vivo (@mundo__vivo) April 8, 2025
Nas redes sociais, o vídeo gerou críticas favoráveis a ele, mas também depoimentos que merecem destaque. Uma mulher afirmou que, como mãe, orgulha-se de ter trabalhado 15 anos costurando em uma linha de produção; um homem relatou ter sustentado a família nos anos 90 montando placas de circuito em Long Island, Nova York. Para essas pessoas, o trabalho ironizado no vídeo é motivo de orgulho e dignidade, não de humilhação. Eram empregos que pagavam contas, sustentavam lares e forjavam comunidades. Quando essas fábricas fecharam, não foi porque os americanos rejeitaram o trabalho, mas porque Wall Street e Washington decidiram que era mais lucrativo explorar mão de obra barata no exterior. Agora, ironicamente, o vídeo zomba dos mesmos trabalhadores traídos por esse sistema, como se a culpa fosse deles.
Crise geracional
Por outro lado, um estudo da OCDE de 2024 aponta um problema real: 7 milhões de homens em idade produtiva nos Estados Unidos não trabalham nem buscam emprego. Culpar apenas uma suposta “preguiça geracional”, porém, é uma simplificação conveniente.
Muitos desses homens cresceram em um país onde as oportunidades que seus pais e avós tiveram já não existem. Em vez disso, enfrentam um mercado de trabalho precário, marcado por automação e terceirização, além de um sistema de benefícios que, por vezes, incentiva a dependência em vez da autonomia.
Se em 2022, com milhões de vagas abertas, homens entre 25 a 54 anos não voltaram ao trabalho, talvez o motivo seja a desconexão profunda entre o que o mercado oferece e o que eles precisam para se sentir úteis e valorizados.
Criticar os americanos como se fossem avessos ao trabalho é ignorar a história. Antes de os empregos serem entregues a outros países, foram muitos trabalhadores anônimos das fábricas americanas que pavimentaram o caminho para a prosperidade que as elites de hoje desfrutam — e, muitas vezes, desprezam.
O vídeo viral pode ser uma piada de mau gosto para alguns, mas, para quem conhece a realidade por trás do declínio industrial, é um tapa na cara de uma nação que ainda luta para recuperar o que perdeu.