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“Foi um dia surreal. Todo mundo que eu conheço ficou dentro de casa.” A frase é de um brasileiro que vive há quase nove anos em Indian Trail, cidade-dormitório de Charlotte, na Carolina do Norte. No sábado, 15 de novembro, ele e milhares de conterrâneos trancaram portas e janelas, desligaram as luzes e passaram o dia inteiro monitorando grupos de WhatsApp. Vídeos enviados em tempo real mostravam viaturas da Patrulha de Fronteira circulando por supermercados, estacionamentos e ruas residenciais. “Agora a gente só sai desviando de onde eles estão”, resume o imigrante cuja companheira atravessou a fronteira pelo México e teme deportação imediata sem direito a fiança. Pelo menos três brasileiros foram detidos naquele primeiro dia — número que circula em redes comunitárias e foi confirmado por fontes locais ao portal Terra.
A Lagoinha Charlotte, uma das maiores igrejas evangélicas brasileiras da região, cancelou cultos presenciais. Mercados asiáticos e latinos, onde muitos brasileiros trabalham ou fazem compras, fecharam as portas mais cedo. A cidade que era vista como refúgio transformou-se, da noite para o dia, em território de caça. Foi nesse clima de medo coletivo que a operação federal batizada de “Charlotte’s Web” explodiu sobre a maior cidade da Carolina do Norte.
Em uma manhã de sábado que prometia ser rotineira, as ruas de Charlotte transformaram-se em cena de tensão e desespero. Agentes da U.S. Border Patrol, equipados com veículos blindados e máscaras, iniciaram uma batida surpresa que resultou em 81 detenções só no primeiro dia — número oficial divulgado pelo comandante Gregory Bovino.
A operação, que já se estendeu ao domingo com mais prisões, foi justificada pelo Departamento de Segurança Interna como resposta a cerca de 1.400 pedidos de detenção ignorados pelas autoridades locais. Charlotte, a quase 1.600 km da fronteira mexicana, não é um posto avançado do deserto do Arizona. É uma metrópole financeira e cultural onde cerca de 15% da população é imigrante.
Bairros como East Charlotte e South Boulevard, redutos de comunidades latinas, asiáticas e, cada vez mais, brasileiras, simplesmente pararam: lojas fecharam, restaurantes baixaram as portas e igrejas ficaram com bancos vazios. “É um dia de vergonha”, declarou Nikki Marín Baena, da Siembra NC, ao The New York Times. “Essas ações aterrorizam famílias inocentes e semeiam medo desnecessário numa cidade onde a criminalidade vem caindo.”
Casos que viralizaram ilustram a brutalidade percebida: Willy Aceituno, cidadão americano de origem hondurenha, teve a janela do carro quebrada e foi algemado por 20 minutos até provar sua cidadania; um adolescente foi imobilizado no chão de um supermercado; outro homem desmaiou durante perseguição perto de uma igreja. Brasileiros relatam cenas semelhantes em estacionamentos do Super G Mart e da Central Avenue.
A prefeita democrata Vi Lyles e o governador Josh Stein criticaram publicamente a operação. “A vasta maioria das pessoas detidas não tem condenações criminais — algumas são até cidadãos americanos”, afirmou Stein. Do outro lado, a Border Patrol celebra o “sucesso” e já planeja ações semelhantes em Nova Orleans.
Para os cerca de 20 mil brasileiros de Charlotte — muitos deles pedreiros, faxineiros, motoristas de aplicativo e profissionais de saúde — o fim de semana marcou o fim de uma ilusão de segurança. “Charlotte era nosso refúgio”, diz uma brasileira que pediu anonimato à CNN. “Agora vivemos olhando por cima do ombro.”
Enquanto a operação não tem data para terminar — documentos que circulam na comunidade falam em até dez dias —, a cidade permanece em alerta. Linhas diretas de ONGs como Carolina Migrant Network e Siembra NC não param de tocar.
A Patrulha de Fronteira (U.S. Border Patrol), que tradicionalmente atua apenas até 160 km da fronteira externa dos EUA, foi enviada a Charlotte — a mais de 1.600 km do México — porque a administração Trump decidiu, em 2025, usar suas unidades táticas de elite (como a BORTAC) exatamente onde o ICE enfrenta maior resistência local. Em cidades declaradamente “santuário” como Charlotte, o xerife democrata Garry McFadden recusa-se sistematicamente a honrar os cerca de 1.400 “detainers” federais (pedidos para manter suspeitos de imigração presos por mais 48 horas).
Diante dessa recusa, o Departamento de Segurança Interna optou por contornar a polícia local e lançou diretamente agentes da Border Patrol em operações de rua, sem depender de cooperação estadual ou municipal. Essa estratégia, inédita em escala tão interiorana, permite prisões imediatas em espaços públicos (supermercados, estacionamentos, igrejas) e serve também como demonstração de força política contra governos democratas, transformando uma agência de fronteira em ferramenta de repressão urbana em pleno coração dos Estados Unidos.


