BBC – Liesel Pritzker Simmons é imensamente rica. Mas o fato de pertencer a uma das famílias mais ricas dos EUA a deixa bastante desconfortável.
“É hora de nós que fomos abençoados com um sucesso ou uma sorte financeira incomum contribuirmos mais para o bem comum e para o futuro comum”, diz ela à BBC. “A melhor forma como nós, nessa bolha de sorte, podemos contribuir é que queremos pagar mais impostos.”
Pritzker Simmons concorda que é uma opinião um pouco heterodoxa. Mas, na última semana, ela e outros 18 super-ricos americanos publicaram uma carta aberta aos candidatos à eleição presidencial americana de 2020, defendendo que “o próximo dólar de novas receitas de impostos devem vir dos mais afortunados financeiramente, e não dos americanos de renda média ou baixa”.
Os males socioeconômicos dos EUA criaram uma crise para os mais jovens, pobres e para o meio ambiente, eles alegam na carta. E argumentam que, embora não tenham as respostas para todos os problemas, acham que podem ajudar se pagarem mais impostos – considerando um “dever patriótico” e “moral” contribuir com a sociedade em geral abrindo mão de uma fatia maior de suas fortunas. Pritzker Simmons – cuja família fez fortuna com o grupo hoteleiro Hyatt – e seu marido Ian, também herdeiro próspero, resolveram se manifestar publicamente junto a outros super-ricos com visão semelhante.
O investidor George Soros, o cofundador do Facebook Chris Hughes e a herdeira da Disney Abigail Disney estão entre os signatários da carta. “Poderia haver mais”, diz Simmons. “Só queríamos juntar nomes o bastante para dar início à conversa.”
Eles não defendem uma proposta específica, mas uma das sugestões citadas é criar um imposto de dois centavos por dólar a fortunas que superem US$ 50 milhões, e de um centavo por dólar em fortunas de mais de US$ 1 bilhão. Isso geraria quase US$ 3 trilhões em receita ao longo de dez anos, calculam.
A carta recebeu críticas no Twitter e de colunistas de jornais, que ridicularizaram o que chamaram de “clube de bilionários conscientes” e “privilegiados equivocados”.
‘Conversa incômoda’
“É uma conversa incômoda, reconhecemos isso”, diz Pritzker Simmons, que diz não ter interesse em se tornar o rosto público da campanha – e agrega que nenhum dos milionários quer “um tapinha de agradecimento nas costas”. Ela já teve sua cota de fama na infância, quando foi atriz mirim (protagonizou o filme A Princesinha, de 1995, e representou a filha de Harrison Ford em Força Aérea Um, de 1997).
Depois, envolveu-se em uma dura batalha legal contra a própria família, a quem processou e venceu, ficando com uma fortuna estimada em US$ 500 milhões. Hoje, aos 35 anos de idade, ela se descreve como “alguém que gosta muito de privacidade” e comanda com o marido um fundo de investimentos focado em negócios sociais e ambientais.
Então, por que vir a público agora? A ideia de um imposto sobre fortunas tem ganhado ímpeto dentro do Partido Democrata e, com o início dos debates entre os pré-candidatos à corrida presidencial de 2020, ela diz que sentiu que era hora de se manifestar.
“Queríamos dizer (aos candidatos): por favor, não sejam tímidos quanto a reformas tributárias por terem medo de que uma classe fique incomodada. Há um grupo de pessoas prósperas como nós que é totalmente a favor (de um imposto sobre fortunas) e queríamos deixar isso muito claro para políticos, futuros políticos e o povo americano.”
Nos últimos anos, alguns super-ricos se manifestaram, individualmente, contra o fosso entre ricos e pobres, entre eles o investidor Warren Buffett (que não é listado como signatário da carta, mas é mencionado no texto como alguém que queixou-se de “ser taxado em taxas menores do que sua própria secretária”). Agora, esses multimilionários esperam que a discussão ganhe força no país.
Após a publicação do texto, o bilionário suíço Hansjoerg Wyss, radicado nos EUA, adicionou seu nome à lista; e o magnata Eli Broad também manifestou seu apoio.
Consertar o sistema
Mas a ação deles está longe de não ser contestada. A apresentadora de TV conservadora Laura Ingraham foi uma das primeiras a tuitar: “Se esses bilionários acham que pagam impostos de menos, por que simplesmente não mandam mais dinheiro à Receita? Ou não são espertos o suficiente para se dar conta disso?”.
Esse argumento não lida com a questão central, rebate Ian Simmons: dar mais dinheiro ao Tesouro seria mera filantropia, e você não consegue enfrentar os desafios da desigualdade com base apenas na boa vontade dos ricos que decidam doar mais. “Não acho que a filantropia vai consertar a desigualdade de renda sistêmica – a maioria dos economistas que estudam desigualdade também não acham “, diz ele, ressaltando que não está criticando a filantropia.
“Mas as boas intenções de alguns não substituem boas regras que sirvam para todos. O fato de alguns de nós pagarem mais ao Tesouro não vai criar atendimento universalizado em creches, levar a uma abordagem revolucionária à crise climática ou resolver o problema do endividamento estudantil.”
Esse grupo de super-ricos tampouco quer que o imposto sobre fortunas seja usado para uma causa específica. “Isso caberá ao nosso governo (decidir) – é para isso que servem os impostos”, diz Pritzker Simmons. “Há coisas com as quais eu pessoalmente me importo, mas (delimitar o uso do dinheiro) trai o princípio de um imposto que beneficie a todos.”
Ela se diz convencida de que o momento é propício. “Assistimos a algumas gerações de ‘economia do gotejamento’ (princípio de que, ao reduzir os impostos dos mais ricos, gera-se mais empregos para os mais pobres) e não está funcionando. Há uma mudança de humor (entre os eleitores), que é baseada nos dados concretos de que as coisas não estão dando certo.”
Donald Trump, por sua vez, costuma citar os recordes de negociações que têm sido registrados em Wall Street para afirmar que, sim, esse modelo funciona. “(Mas) isso não é um argumento muito convincente para a metade dos americanos que não tem qualquer exposição ao mercado acionário”, responde Pritzker Simmons.
Ela opina que tanto eleitores republicanos quanto democratas estão cada vez mais ansiosos por ações concretas, e, por isso, acredita que estão erradas as pessoas que acham que o Congresso americano jamais aprovaria um imposto sobre fortunas.
E, mesmo que isso aconteça e os super-ricos tenham de pagar mais impostos, eles pouco sofrerão, opina Pritzker Simmons. “Continuaremos a ter uma vida incrivelmente privilegiada. Se isso (um imposto sobre fortunas) é considerado uma adversidade, então acho que temos muita sorte.”