
Washington, 20 de outubro de 2025 –
O fechamento parcial do governo federal americano, iniciado em 1º de outubro, completa hoje sua terceira semana, expondo as fissuras profundas entre republicanos e democratas no Congresso. O impasse gira em torno da extensão de subsídios do Affordable Care Act (Obamacare), que reduzem os custos de seguros de saúde para milhões de americanos de baixa e média renda. Esses subsídios, cortados no orçamento proposto pelo presidente Donald Trump, expiram no final de 2025, mas os democratas insistem em sua restauração como condição para aprovar qualquer pacote de financiamento.
Enquanto isso, serviços essenciais como parques nacionais, inspeções de segurança aérea e pagamentos a funcionários federais estão suspensos, afetando cerca de 800 mil trabalhadores civis e gerando custos estimados em bilhões de dólares para a economia.
O shutdown atual é o oitavo na história recente dos EUA e o primeiro do segundo mandato de Trump. Ele começou após o Congresso falhar em aprovar um orçamento de continuidade, com republicanos controlando tanto a Câmara quanto o Senado. Trump, que propôs o corte de cerca de US$ 6 bilhões em subsídios de saúde como parte de uma reforma fiscal mais ampla, argumenta que esses recursos são “insustentáveis” e que os democratas estão “usando o governo como refém” por uma agenda partidária.
Por sua vez, os democratas, liderados pelo senador Chuck Schumer e pela representante Nancy Pelosi, acusam o presidente de “atacar a saúde dos mais vulneráveis” e recusam qualquer acordo que não restaure integralmente os subsídios, afetando potencialmente 13 milhões de beneficiários.
Essa é, em essência, uma briga de egos por poder: ambos os lados controlam as alavancas necessárias para resolver o impasse hoje mesmo. Os republicanos, com maiorias legislativas, poderiam aprovar um orçamento temporário e negociar os subsídios separadamente; os democratas, com influência no Senado (onde precisam de 60 votos para avançar), poderiam ceder em pontos como limites de renda mais altos para os subsídios, abrindo caminho para um compromisso. No entanto, nenhum lado demonstra disposição para recuar, transformando o que poderia ser uma negociação técnica em um espetáculo político de alto risco.
Se ambos podem destrancar a porta agora, a responsabilidade pela paralisação – seja lá o que signifique “culpa” nesse teatro bipartidário – recai igualmente sobre eles, priorizando narrativas eleitorais às custas de famílias americanas.
Pesquisas Revelam Culpa Dividida, com Tendência a Mais Repreensão aos Republicanos
Pesquisas recentes capturam o sentimento público, mostrando uma divisão clara, mas fluida, na atribuição de responsabilidades. Uma sondagem do Economist/YouGov, realizada entre 4 e 6 de outubro com 1.500 adultos, indicou que 41% dos americanos culpam os republicanos no Congresso e Trump pelo shutdown, contra 30% que apontam para os democratas; 23% veem ambos os partidos igualmente responsáveis. Da mesma forma, uma pesquisa CBS News/YouGov de 2.441 respondentes, nos dias iniciais do impasse, registrou 39% de culpa para Trump e republicanos, 30% para democratas e 31% para os dois lados.
A AP-NORC, em meados de outubro, encontrou números quase empatados: 58% atribuem “grande responsabilidade” a Trump e republicanos no Congresso, enquanto 54% fazem o mesmo com democratas.
Historicamente, o partido no poder – neste caso, os republicanos – absorve mais da culpa inicial, uma tendência observada em shutdowns anteriores, como o de 2018-2019. Independentes, grupo decisivo para as eleições de meio de mandato de 2026, tendem a culpar os republicanos em maior proporção (50% vs. 22% para democratas, segundo o Washington Post).
No entanto, à medida que o shutdown se prolonga, a percepção de “culpa compartilhada” cresce: uma pesquisa Reuters/Ipsos de 1.154 adultos mostrou 67% culpando republicanos e 63% democratas em “fair amount” ou “great deal”. Essa ambiguidade reflete o cansaço público: 54% dos adultos veem o shutdown como um “grande problema”, incluindo 59% dos independentes, segundo a AP-NORC.
A Manobra de Trump e o Desafio Democrata: Economia vs. Saúde
Um ponto de virada veio em 15 de outubro, quando tropas americanas enfrentavam o risco de perder contracheques – uma data que democratas usavam como pressão tática, presumindo que republicanos não arriscariam tal imagem. Trump, invocando poderes executivos, realocou fundos do Departamento de Defesa para garantir os pagamentos militares, uma decisão legalmente questionável, mas politicamente astuta. Essa jogada neutralizou uma narrativa democrata de “irresponsabilidade republicana” e elevou a aprovação de Trump no manejo do shutdown para 32%, contra 27% para democratas no Congresso (CBS News).
Aqui reside uma crítica leve, mas necessária, aos democratas: apesar de uma posição moral defensável na defesa da saúde acessível – com 71% dos americanos apoiando a extensão dos subsídios, segundo o Washington Post –, sua intransigência em bloquear orçamentos gerais (em vez de isolar a negociação de saúde) parece mais uma tática de obstrução do que uma estratégia construtiva. Apenas 48% dos próprios eleitores democratas consideram que o shutdown “vale a pena” por esses subsídios (CBS), e menos de 30% dos americanos veem as demandas do partido como justificáveis.
Essa hesitação interna, somada à liderança republicana em confiança econômica (44% vs. 37%, Quantus Insights), sugere que democratas estão arriscando capital político em uma batalha onde a economia pesa mais que a saúde para o eleitor médio. Schumer chegou a afirmar que o shutdown “joga a favor dos democratas a cada dia”, mas dados indicam o oposto: o GOP mantém uma vantagem de 4 pontos na gestão econômica, mesmo com mais culpa inicial pelo impasse.
Perspectivas: Um Compromisso no Horizonte?
Relatos indicam negociações preliminares para um acordo que preserve subsídios com ajustes, como limites de renda elevados ou restrições a novas inscrições, possivelmente antes de 1º de novembro – data em que prêmios de saúde devem disparar, potencialmente invertendo a maré de opinião contra democratas. Se o shutdown se estender até o Natal, com atrasos em reembolsos fiscais e mais impactos em viagens aéreas, a culpa compartilhada pode se cristalizar, beneficiando quem primeiro oferecer soluções práticas.
No fim das contas, esse impasse reforça o cinismo bipartidário: republicanos e democratas são capazes de resolver hoje esse problema mas optam pelo confronto. Para os americanos, o custo é real – salários perdidos, serviços interrompidos e uma confiança erodida no sistema de representação politica. O que fica disso é uma lição amarga: em Washington, o poder prevalece sobre o povo.