No papel, ele é um cidadão americano devoto. Sua certidão de nascimento mostra que seu parto foi feito por uma parteira em Brownsville, no sul do Texas. Ele passou sua vida usando um uniforme americano: primeiro, como recruta do Exército, depois como cadete na Patrulha de Fronteira e, agora, como agente carcerário estadual.
Mas quando Juan, de 40 anos, entrou com os papéis para retirar seu passaporte americano este ano, foi surpreendido pela resposta do governo. Em uma carta, o Departamento de Estado afirmou não acreditar que ele era um cidadão americano. Juan descobriu mais tarde que ele pertence a um número crescente de pessoas cuja certidão de nascimento mostra que elas nasceram nos EUA, mas agora estão tendo o passaporte negado – de repente, sua cidadania está sendo questionada.
A administração Trump está acusando centenas, possivelmente milhares, de hispânicos que vivem ao longo da fronteira de utilizar certidões de nascimento falsas desde que eram bebês, despertando críticas generalizadas. Em um comunicado, o Departamento de Estado disse que não houve nenhuma mudança ou prática com relação a emissão de passaportes, adicionando que a região de fronteira dos EUA com o México é uma área do país onde tem havido uma “incidência significativa de fraude de cidadania”.
Mas casos identificados pelo The Washington Post e entrevistas com advogados de imigração sugerem uma mudança dramática tanto nas emissões de passaportes quanto nas questões migratórias. Em alguns casos, pessoas com pedidos de passaportes munidas de certidões de nascimento ofi ciais americanas têm sido presas em centros de detenção de imigrantes e agora correm o risco de serem processadas e deportadas. Em outros casos, americanos têm fi cado do lado mexicano: seus passaportes foram revogados quando eles tentaram voltar para os EUA.
Com a administração Trump tentando reduzir o número de imigrantes ilegais e legais no país, o tratamento do governo aos requerentes de passaporte no sul do Texas mostra como cidadãos americanos estão cada vez mais se tornando alvos do ICE. O governo alega que dos anos 1950 aos anos 1990, algumas parteiras e médicos ao longo da fronteira do Texas com o México emitiram certidões de nascimento para bebês que na verdade nasceram do lado mexicano da divisa. Em uma série de processos federais nos anos 1990, diversos funcionários de cartórios admitiram ter fornecido documentos falsos.
Com base nessa suspeita, o Departamento de Estado durante as administrações George W. Bush e Barack Obama negaram passaportes a pessoas cujo partos foram feitos por parteiras no Vale do Rio Grande, no Texas. O uso de parteiras é uma antiga e duradoura prática na região, em parte em razão dos custos de se ter um filho em um hospital nos EUA. As mesmas parteiras que forneceram certidões de nascimento fraudulentas também fi zeram o nascimento de milhares de bebês legalmente nos EUA.
Foi provado que é quase impossível distinguir entre o documento legítimo e o falso – todos foram emitidos pelo Estado do Texas décadas atrás. Em 2009, um acordo feito pelo governo em um caso apresentado pela União Americana pelas Liberdades Civis parecia ter colocado um fi m nesse problema de emissão de passaportes. Advogados disseram que o número desses documentos negados caíram durante a administração Obama e o governo revia rapidamente os casos quando as pessoas entravam com recursos reclamando que seu passaporte foi negado.
Mas sob a presidência Trump, a negativa dos passaportes e a revogação do documento parece ganhar força, tornando-se parte do interrogatório na fronteira sobre a cidadania de pessoas que vivem, votam e trabalham nos EUA a vida inteira. Em comunicado, o Departamento de Estado disse que as pessoas que aplicaram para obter os passaportes tinham em suas certidões de nascimento a informação de que seu parto foi feito por parteiras ou outras pessoas suspeitas de participarem de atividades fraudulentas, assim como tinham certidões duplicadas – uma americana e outra estrangeira – e foram solicitadas a fornecer documentos adicionais estabelecendo que elas realmente nasceram nos EUA.
Quando Juan, o ex-soldado, recebeu uma carta do Departamento de Estado dizendo a ele que não estavam convencidos de que ele era um cidadão americano, eles pediram uma série de documentos obscuros: comprovação de pré-natal de sua mãe, seu certificado de batismo, contrato de aluguel da época em que ele nasceu. Ele conseguiu encontrar alguns desses documentos, mas semanas mais tarde teve novamente seu pedido negado. Em outra carta, o governo disse que as informações “não comprovam que ele nasceu nos EUA”.