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O jurista brasileiro Carlos Portugal Gouvêa, professor associado da Faculdade de Direito da USP e ex-professor visitante da Harvard Law School, deixou os Estados Unidos na ultima quinta-feira (4) após ser detido pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). A prisão ocorreu um dia antes, na quarta-feira (3), depois que o Departamento de Estado americano revogou seu visto J-1 em razão de um incidente ocorrido na véspera do Yom Kippur, o feriado mais sagrado do calendário judaico.
O que aconteceu
Na noite de 1º de outubro de 2025, Gouvêa, 43 anos, disparou uma arma de pressão (conhecida como BB gun ou pellet gun) em uma área residencial de Brookline, cidade vizinha a Boston. Os tiros foram ouvidos a poucos metros da sinagoga Temple Beth Zion, que realizava os serviços religiosos da véspera do Yom Kippur. O local entrou em lockdown e mais de uma dúzia de viaturas da polícia foram enviadas ao endereço.
Segundo o relatório policial de Brookline, Gouvêa foi abordado por seguranças da sinagoga mas fugiu para sua residência, onde foi preso minutos depois. À polícia, o professor declarou que estava “caçando ratos” no quintal e que não sabia que havia uma sinagoga próxima, mas desconhecia que era feriado religioso.
A polícia de Brookline e os líderes da Temple Beth Zion concluíram, ainda em outubro, que não havia evidências de crime de ódio ou motivação antissemita. Em carta aberta assinada pelos rabinos da sinagoga afirmou: “Não temos motivo para acreditar que isso foi um ato antissemita”.Apesar disso, o Departamento de Segurança Interna (DHS), sob a nova gestão Trump, classificou o episódio como “tiroteio antissemita” ao anunciar a prisão de Gouvêa na quinta-feira (4). A divergência entre as conclusões locais e federais virou o principal ponto de controvérsia do caso.
Em novembro, Gouvêa aceitou um acordo de plea deal no tribunal de Brookline: declarou-se culpado apenas de posse e uso ilegal de arma de pressão, recebendo seis meses de probation pré-julgamento. Todas as demais acusações (vandalismo, conduta desordeira e perturbação da paz) foram retiradas. Com o visto J-1 revogado em 16 de outubro, ele perdeu o status legal de permanência.
Na quarta-feira (3), agentes do ICE o prenderam em Massachusetts. No dia seguinte, optou pela saída voluntária do país, medida que evita o registro formal de deportação e preserva chances maiores de obter vistos americanos no futuro. Seu advogado nos EUA, Joseph D. Eisenstadt, confirmou que Gouvêa embarcou para o Brasil na própria quinta-feira (4) e já se encontra em São Paulo.
Repercussão
A Harvard Law School suspendeu Gouvêa administrativamente logo após o incidente. Atualmente, sua página no site da universidade não existe mais (erro 404) e qualquer menção a ele como visiting professor foi removida ou arquivada. O Global Law Institute (IDGlobal), think tank fundado por ele, também apagou ou reduziu referências ao professor em suas páginas oficiais. No Brasil, colegas da USP manifestaram apoio privado, destacando o currículo de Gouvêa em direitos humanos, combate à corrupção e defesa de comunidades indígenas e quilombolas. Publicamente, a universidade não se pronunciou.
Nas redes sociais americanas, o caso foi amplamente celebrado por perfis conservadores como exemplo de “tolerância zero” com incidentes próximos a instituições judaicas. No Brasil, parte da repercussão tratou o episódio como um “mal-entendido cultural” ampliado pelo clima político polarizado nos EUA. Até o momento, Carlos Portugal Gouvêa não concedeu entrevistas desde seu retorno ao país.


