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Em um movimento que reacende discussões centenárias sobre lealdade e identidade nacional, o senador republicano Bernie Moreno (R-OH), naturalizado americano após renunciar à cidadania colombiana na juventude, apresentou o Exclusive Citizenship Act nessa terça-feira, 02. A proposta visa proibir a dupla cidadania para todos os cidadãos dos EUA, forçando uma escolha exclusiva em até um ano sob pena de perda automática da nacionalidade americana.
Com cerca de 20 milhões de americanos afetados – incluindo naturalizados, filhos de imigrantes e até figuras públicas como a primeira-dama Melania Trump –, o projeto destaca tensões entre globalização e soberania em um país fundado por imigrantes.
O que propõe o projeto
O texto exige que cidadãos com dupla nacionalidade submetam renúncia formal à cidadania estrangeira ao Secretário de Estado.
Alternativa: abrir mão da americana ao Secretário de Segurança Interna.
Para novos casos, adquirir outra nacionalidade resulta em perda automática dos EUA. A lei entraria em vigor 180 dias após aprovação, com o Departamento de Estado criando regras para verificação e registro.
Defensores veem nisso uma forma de reforçar o juramento de naturalização, que inclui renúncia simbólica a “todas as fidelidades estrangeiras”. Críticos, porém, alertam para violações constitucionais e impactos humanitários.
Proponentes, alinhados a uma visão nacionalista crescente, argumentam que a cidadania americana é um “privilégio único” que não tolera divisões. “Em um mundo de ameaças cibernéticas e guerras híbridas, lealdades divididas minam a segurança nacional”, diz o senador Moreno em comunicado. Eles citam o juramento de naturalização como base moral e apontam riscos concretos, como conflitos militares ou interferência eleitoral estrangeira. “É o fim do ‘turismo de cidadania’: direitos plenos aqui, benefícios lá, sem compromisso total”, afirma um assessor do senador. Essa perspectiva ganha tração em pesquisas recentes, com 45% dos republicanos apoiando restrições, segundo o Pew Research Center
Opositores, de democratas a grupos de imigração como a ACLU, veem o projeto como discriminatório e impraticável. “Viola precedentes da Suprema Corte, como Afroyim v. Rusk (1967), que proíbe perda involuntária de cidadania”, explica a advogada imigratória Esther Sung, da American Immigration Council. Países como Brasil, México e Índia não reconhecem renúncias, deixando milhões em limbo legal. Além disso, famílias binacionais seriam fragmentadas: um pai naturalizado poderia perder status, separando filhos americanos de parentes no exterior. Refugiados de regimes autoritários, como sírios ou venezuelanos, arriscariam retaliações ao renunciar. “Isso não resolve problemas; pune contribuintes leais que pagam impostos e servem nas Forças Armadas”, rebate Sung.
Casos práticos de conflitos: quando lealdades colidem
O debate não é abstrato; histórias reais ilustram dilemas éticos e legais da dupla cidadania, alimentando temores de que ela crie brechas de segurança.
Aqui, quatro exemplos emblemáticos:
- Conscrição militar durante a Guerra do Líbano (2006): Um soldado americano de origem libanesa, servindo no Iraque, foi convocado pelas Forças Armadas libanesas ao visitar familiares durante a invasão israelense. Preso em Beirute por “evasão”, ele só escapou com intervenção consular dos EUA. O caso, documentado pelo Departamento de Estado, destacou como dupla cidadania pode forçar escolhas impossíveis: desertar de um exército ou trair o outro. “Ele jurou lealdade aos EUA, mas o Líbano o via como desertor”, relata um relatório diplomático.
- Negação de segurança em emprego federal (caso EUA-Irlanda, 2010s): Um engenheiro de software com dupla cidadania americana-irlandesa teve seu pedido de clearance de segurança negado para um cargo no Departamento de Defesa. Um juiz administrativo decidiu que, apesar das boas relações bilaterais, a “lealdade dividida” representava risco à inteligência sensível. O homem, nascido nos EUA de pais irlandeses, perdeu a oportunidade, ilustrando como dupla cidadania bloqueia carreiras em agências como CIA ou NSA. “Não é sobre desconfiança; é sobre priorizar interesses nacionais”, justificou o veredicto, per análise do Centro para Estudos de Imigração.
- Conflitos na Primeira Guerra Mundial (1914-1918): Milhares de naturalizados americanos de origem alemã ou austro-húngara foram presos em visitas à Europa por evasão de serviço militar obrigatório. Um caso notório: um imigrante alemão naturalizado em Nova York, convocado para o front alemão, recusou-se e foi considerado traidor, levando a disputas diplomáticas que quase escalaram para incidentes bilaterais. Isso contribuiu para tensões pré-entrada dos EUA na guerra, como Bancroft Treaties para mitigar conscrições. Historiadores veem nisso o “fantasma” da lealdade dividida que ecoa hoje.
- Caso de Yehudi Menuhin e cidadania suíça honorária (1970): O violinista americano Yehudi Menuhin, ícone cultural, enfrentou ameaça de perda de cidadania dos EUA ao aceitar uma cidadania honorária suíça. O Departamento de Estado invocou leis anti-dupla nacionalidade da era pós-Segunda Guerra, alegando risco de “alegiança estrangeira”. Menuhin só manteve seu status após batalha judicial, expondo como até gestos simbólicos podem desencadear crises. “Foi um absurdo burocrático que questionou minha identidade americana”, disse ele na época. O caso influenciou decisões da Suprema Corte sobre expatriamento involuntário
Esses episódios mostram que, enquanto a dupla cidadania enriquece vidas, ela pode expor vulnerabilidades em contextos de tensão geopolítica.
Se aprovado – o que analistas julgam improvável, dada a história de falhas em propostas semelhantes (1995, 2007, 2013) –, o projeto afetaria 3-5% da população americana, per estimativas do Migration Policy Institute. Naturalizados de longa data poderiam virar indocumentados, sobrecarregando tribunais de imigração. Relações com aliados como Canadá e UE, que incentivam dupla cidadania, azedariam. Economicamente, esses imigrantes contribuem US$ 1 trilhão anuais em impostos e inovação, de acordo com dados do New American Economy. “É uma lei de fachada que ignora a América real: diversa e conectada”, critica a Câmara de Comércio dos EUA.


