JUNOT – Neste sábado, 14, sob o calor pegajoso de Washington, D.C., o 79º aniversário de Donald J. Trump, o showman-em-chefe, foi celebrado com o estrondo de tanques e o rugido de caças sobrevoando o céu. Era o 250º aniversário do Exército dos EUA, e Trump, nunca tímido para um espetáculo, transformou a data num desfile de 25 milhões de dólares — quiçá 45, dependendo de quem conta o troco. Seis mil e seiscentos soldados, 150 veículos, 25 tanques M1 Abrams e 50 aeronaves cruzaram a capital, com os Golden Knights entregando uma bandeira dobrada ao presidente, que sorriu como um rei coroado. Ele próprio conduziu o juramento de 250 recrutas, enquanto a multidão acenava bandeirinhas e o Dia da Bandeira virava pano de fundo para o que os críticos chamaram de “parada de aniversário do imperador”. Mas nas ruas, de costa a costa, o povo não estava aplaudindo. Era o “No Kings Day”, e o país fervia com um grito que não se calava: “Sem reis na América!”
De Filadélfia a São Francisco, de Miami a Seattle, mais de 1.800 cidades se acenderam com protestos. Organizados por uma coligação de mais de 100 grupos — Indivisible, Mass 50501, e outros tantos com nomes que soam como códigos de guerra — o “No Kings Day” (ou “No Dictators Day”, dependendo do cartaz) era um dedo na cara da administração Trump. Eles acusam o homem de querer ser um czar, com suas ameaças de deportações em massa, prisões por motivos políticos e um aperto na garganta da liberdade de expressão.
Filadélfia foi o epicentro dos protestos, uma escolha esperta para evitar o confronto direto com o desfile militar e seus tanques reluzentes. “Queremos poder popular, não um espetáculo de força”, disse um organizador, com a voz rouca de tanto gritar.
Nem tudo foi paz e amor. Em Los Angeles, manifestantes anti-ICE bateram de frente com tropas federais, e o ar ficou pesado com gás lacrimogêneo. Na véspera, em D.C., 60 almas — veteranos, famílias de militares, até um avô com uma placa escrita à mão — foram algemadas nos degraus do Capitólio por ousarem sentar e protestar. Mas, no geral, o país cantou sua revolta em uníssono, com mais de 2 milhões de pés nas ruas, segundo os organizadores. Um número que, como tudo por aqui, vai ser contestado até o fim dos tempos.
Em Massachusetts, o estado onde a revolução americana nasceu, o “No Kings Day” foi um festival de vozes. De Boston a Pittsfield, de Provincetown a Springfield, quase 100 cidades se mobilizaram.
Em Boston, a coisa ganhou um brilho extra: o protesto se misturou à Parada do Orgulho LGBTQ+, uma explosão de cores e cartazes na Copley Square. Às 11 da manhã, milhares marcharam, gritando contra o que chamam de “apagamento” da comunidade queer por um governo que, segundo eles, prefere tanques a direitos. “Desobediência alegre contra um rei louco!”, bradava uma drag queen com um megafone, enquanto a polícia, de olho, mantinha tudo nos trilhos. Sem confusão, só paixão.
Mas é em Framingham e Worcester, onde a comunidade brasileira pulsa forte, que a história ganha um sotaque especial. Em Framingham, o Centre Common virou palco às 13h30, com discursos pegando fogo a partir das 14h30. Brasileiros, que formam um pedaço grande da cidade, estavam lá, de bandeiras na mão e medo no peito. “Não aceitaremos ser caçados como bichos!”, gritou Mariana Silva, uma líder comunitária, ao microfone, enquanto a multidão acenava cartazes em português: “Sem Reis, Sem Medo” e “Brasileiros pela Liberdade”. O medo de deportações em massa, um fantasma que Trump agita como ninguém, uniu imigrantes e cidadãos num canto rouco por justiça. Era a América de baixo, a América dos trabalhadores, dos que lavam pratos e constroem casas, dizendo: “Nós também somos esse país.”
Em Worcester, o cenário não foi diferente. No coração da cidade, centenas se reuniram, muitos deles brasileiros que conhecem de cor o peso de governos que apertam o cerco. “Sabemos o que é viver com medo. Não queremos isso aqui”, disse João Pereira, dono de uma padaria local, enquanto segurava um cartaz que dizia “Democracia Já!”. A comunidade brasileira, tão vibrante quanto vulnerável, trouxe sua energia: bandeiras verde-amarelas tremulavam ao lado de faixas em inglês, e o sotaque de Minas e São Paulo ecoava nos discursos. O protesto, pacífico, foi um grito contra as políticas migratórias que ameaçam arrancar famílias de suas casas. “Somos Worcester, somos América”, dizia uma jovem, com lágrimas nos olhos e um filho pequeno no colo.
A comunidade brasileira em Massachusetts, especialmente em Framingham e Worcester, vive dias de tensão. Postagens no X, como as do JCeditores, falam de um “caos migratório” que mantém famílias acordadas à noite, com medo de batidas do ICE.
Trump prometeu deportações em escala nunca vista, e os brasileiros, muitos deles em situação irregular, sentem o chão tremer. Mas nos protestos, eles não se esconderam. Em Framingham, líderes comunitários organizaram oficinas de “conheça seus direitos” antes do ato, enquanto em Worcester, igrejas e associações brasileiras abriram suas portas para apoiar os manifestantes. “Não é só sobre nós, é sobre o que esse país vai ser”, disse um pastor brasileiro em Worcester, com a Bíblia em uma mão e um megafone na outra.
Enquanto tanques desfilavam em D.C., e Trump sorria para as câmeras, Massachusetts mostrou que a América ainda tem pulso. Em Boston, a festa do Orgulho se fundiu à revolta. Em Framingham e Worcester, brasileiros ergueram suas vozes, lembrando que imigrantes não são sombras, mas parte do tecido do país. O “No Kings Day” não derrubou nenhum trono, mas deixou um recado claro: a democracia, aqui, não se curva fácil. E se Trump queria um desfile para se sentir rei, as ruas responderam com um coro que ecoa desde 1775: “Sem reis na América!”