
Medford, 18 de Setembro de 2025
Em setembro, o mundo se une pela campanha do Setembro Amarelo, um movimento dedicado à prevenção do suicídio e à promoção da saúde mental. Para a comunidade imigrante nos Estados Unidos, como os brasileiros que constroem suas vidas em cidades como Boston, Miami ou Newark, essa campanha ganha um significado especial. A jornada da migração traz sonhos de prosperidade, mas também desafios profundos: o receio constante de deportações, o isolamento cultural, as cobranças por desempenho e, para aqueles que retornam ao Brasil, a dificuldade de readaptação, conhecida como Síndrome de Ulisses.
Viver como imigrante nos EUA muitas vezes significa carregar a incerteza de políticas migratórias. O medo de deportações, especialmente em tempos de mudanças legislativas, é um estressor crônico. Um estudo de 2021 revelou que imigrantes em centros de detenção têm o dobro do risco de ideação suicida, agravado pelo isolamento e pela separação familiar. Para brasileiros, esse receio pode se manifestar em ansiedade constante, dificuldade de concentração no trabalho ou até mesmo relutância em buscar ajuda médica por medo de exposição. Esse peso silencioso contribui para a depressão, um fator de risco significativo para o suicídio, que, segundo o CDC, atinge taxas de 8,2 por 100.000 entre hispânicos, incluindo brasileiros.
Isolamento Cultural: Um Estrangeiro na Terra dos Sonhos
A adaptação a uma nova cultura é um desafio que muitos brasileiros conhecem bem. A barreira do idioma, a saudade da família e a ausência de redes comunitárias podem transformar a experiência de viver nos EUA em um isolamento cultural. Para adolescentes e jovens, esse isolamento é ainda mais intenso, potencializado pelas redes sociais, que, embora conectem ao Brasil, podem gerar comparações dolorosas com a vida de outros.
Uma pesquisa de 2024 mostrou que adolescentes latinos expostos a discriminação online têm 20% mais risco de sintomas depressivos. O uso excessivo de redes sociais, comum entre jovens imigrantes, também está ligado ao aumento da ideação suicida, com 12,8 milhões de adolescentes e adultos relatando pensamentos suicidas em 2024, segundo o CDC. Para muitos, a sensação de ser um “estrangeiro” em um país novo é agravada pela falta de espaços onde possam compartilhar suas raízes culturais, como festas juninas ou rodas de conversa em português.
Cobranças por Desempenho
A pressão para alcançar o “sonho americano”, é uma realidade constante para imigrantes. Seja no trabalho árduo em restaurantes, construção ou serviços domésticos, seja na expectativa de enviar dinheiro ao Brasil, muitos brasileiros enfrentam cobranças intensas para demonstrar sucesso. Essa pressão é ainda mais forte para homens, que representam 80% das mortes por suicídio nos EUA, com taxas de 22,7 por 100.000, quase quatro vezes maiores que as das mulheres.
Normas culturais que exigem autossuficiência dificultam que homens busquem ajuda, enquanto a busca pelo “sucesso” pode levar à exaustão emocional. Para jovens, a pressão acadêmica, especialmente durante o período escolar (setembro a maio), amplifica o estresse, com suicídios entre adolescentes de 13 a 14 anos dobrando entre 2009 e 2018, segundo estudo da Florida Atlantic University.
Essas cobranças, somadas ao estresse migratório, criam um terreno fértil para a depressão e o uso de substâncias, como álcool, que é elevado em comunidades imigrantes.
Síndrome de Ulisses: Estrangeiro na Própria Terra
Para aqueles que retornam ao Brasil, a jornada não termina com a volta. A Síndrome de Ulisses, descrita pelo psiquiatra Joséba Achotegui, caracteriza o estresse crônico enfrentado por imigrantes, marcado por luto migratório, saudade e dificuldade de reintegração. Ao voltar, muitos brasileiros se sentem como estrangeiros em sua própria terra, enfrentando desafios como desemprego, dívidas ou desajuste cultural.
Um estudo de 2022 indica que migrantes retornados têm maior risco de depressão reativa e abuso de substâncias, o que pode elevar a ideação suicida. As redes sociais, ao manterem viva a memória da vida nos EUA, podem intensificar esse luto, enquanto a falta de apoio psicológico no Brasil agrava o isolamento. Para adolescentes de famílias retornadas, a readaptação a escolas e costumes brasileiros pode ser tão desafiadora quanto a migração inicial, aumentando o risco de problemas mentais.
Um Chamado à Esperança
O Setembro Amarelo é um convite para romper o silêncio e buscar apoio. Para a comunidade brasileira nos EUA, é hora de reconhecer que o cuidado com a saúde mental é tão importante quanto a busca por uma vida melhor.
Pequenos passos podem fazer a diferença:
- Construa redes de apoio e participe de eventos comunitários, como cultos religiosos em português, participe de grupos culturais e eventos brasileiros para reduzir o isolamento;
- Centros como o Brazilian Worker Center em Massachusetts oferecem espaços seguros para compartilhar experiências;
- Use as redes sociais com sabedoria: Ensine jovens a limitar o tempo de tela e evitar comparações online. Oficinas em português sobre segurança digital podem ajudar a identificar cyberbullying e conteúdos nocivos;
- Esteja atento aos sinais: Mudanças de humor, retraimento ou aumento no uso de álcool podem ser alertas. Converse abertamente com familiares e amigos, sem julgamento;
- Busque Ajuda Profissional: Nos EUA, a linha 988 oferece suporte gratuito e confidencial, com atendimento em espanhol e, em algumas regiões, português. No Brasil, o CVV (188) está disponível 24 horas por dia. Ambos são recursos acessíveis para imigrantes e retornados.
A jornada migratória é repleta de coragem, mas também de desafios que não devem ser enfrentados em silêncio. O Setembro Amarelo nos lembra que falar sobre saúde mental é um ato de força, não de fraqueza. Para brasileiros nos EUA ou retornados ao Brasil, a comunidade é um pilar de resiliência.
Compartilhar histórias, valorizar a cultura brasileira e buscar apoio são formas de transformar o peso da migração em esperança. Juntos, podemos construir um futuro onde ninguém se sinta estrangeiro — nem na terra nova, nem na terra natal.