Por: Alfredo Melo – O Brasil é um país riquíssimo em Ligas de Futebol, afinal, e o país do futebol. As ligas amadoras proliferam, principalmente no interior dos estados. Algumas Ligas, aproveitando a mudança do sistema de voto plural, para voto unitário, se tornaram poderosas e são responsáveis, pela eleição dos presidentes de Federações Estaduais, impondo os seus candidatos aos grandes clubes profissionais, que nada podem fazer.
É de uma dessas Ligas, que vamos destacar o nosso personagem desta semana. No sul de Minas existem duas grandes Ligas, a de Caxambú e a de Andrelândia, ambas filiadas a Federação Mineira de Futebol. A Liga Andrelandense, cobre muitos municípios da região, principalmente, Andrelândia, Arantina, Bom Jardim de Minas, Liberdade, Passa Vinte, Aiuruoca, Cruzília, São Vicente, etc…. Existe uma rivalidade histórica, dentro da Liga, entre o Social Club Arantinense, de Arantina e o Club Atlético Juventus (o meu querido Cajú), de Bom Jardim de Minas.
As partidas entre os dois adversários, sempre lotam os estádios das duas cidades, separadas por escassos 6 quilômetros, e que invariavelmente, terminam em inenarráveis entreveros, onde a porrada, come solta.
No campeonato de 1990, os dois times estavam em sexto lugar e o jogo do turno estava marcado para a cidade de Bom Jardim de Minas. Nesse ano, o destaque do Arantinense era o seu camisa 9, um afrodescendente, de 1,88 cm, artilheiro do campeonato com 6 gols, de nome José. O centro avante, tinha uma particularidade, estava há três meses na cidade, para onde fora designado pároco.
O doce José, ou melhor, Padre José, era o craque do campeonato. Aproveitando a “deixa divina”, o prefeito de Bom Jardim de Minas, o agitado Nelo Carneiro, juntamente com o padre Viana, pároco de Bom Jardim de Minas e o padre Jose, pároco de Arantina, resolveram transformar a partida no “clássico da paz”.
Para engrandecer o evento, encomendaram a Chico Dias, contador de causos, de fama corrida, na região, e mestre na preparação de um Fubá suado mineiro, carregado na barriga de porco e na linguiça mineira, um jantar de confraternização, após a partida, no amplo salão do Social Club Bonjardinense, presidido pelo compadre e futuro prefeito, Carlinhos Sabino.
Quando as equipes entraram em campo, ouviu-se um grito vindo da torcida do Cajú “seu padre, hoje o senhor vai ver o capeta em campo”. Padre José ignorou, mas por via das dúvidas, fez o sinal da cruz três vezes consecutivas. Realmente, o padre dava trabalho, meio desengonçado, parecia um pouco com Dada Maravilha, se colocava bem na área, chutava tanto de esquerda e de direita. Seu forte era a cabeçada, certeira.
Se cabeceasse, dentro da area, era mortal, que o diga o goleiro Lincoln Cachaça, que em 15 minutos de jogo, já tinha passado por dois apertos.
Vendo que estava difícil segurar o padre, o zagueiro central Nonato, com certeza, ateu juramentado, resolveu apelar pra ignorância e começou a “baixar o sarrafo” no doce José, que sentindo o joelho, caiu. Eduardo, lateral direito do Caju e irmão de Nonato gritou “”Mano “cê” ta doido? Bater em padre e pecado””. No que respondeu Nonato “pecado é deixar ele fazer o nome em cima de mim, o homem é o capeta”. Eduardo se afastou se benzendo, como a pancada foi forte padre José não voltou para o segundo tempo. O placar ficou em 0x0, que aparentemente, agradou aos dois lados e principalmente terminou sem porrada.
Após o evento esportivo veio o social. A grande confraternização, o Fubá Suado Mineiro, da paz. Muita comida, muita música e muita pinga. Como torcedores rivais e pinga, não combinam bem, a porradaria que não aconteceu em campo, aconteceu no clube. O doce padre José subiu em uma das mesas, que ainda estavam de pé e clamava e suplicava “meus irmãos parem com isso, a violência não leva a nada, vamos ao diálogo “.
Tudo em vão. Padre José falava e não era ouvido. De repente, cansado de ‘pregar no deserto “, tirou a jaqueta de couro, arregaçou as mangas e disse “até aqui agi como padre, agora vou agir como vocês”, e saltando no meio do salão, separando os brigões e distribuindo “sopapos” até a chegada do destacamento da PM, comandado pelo Cabo Cruz, que tinha o apelido de sacristão, devido ao oficio de infância. Foi nesse dia, que pela primeira vez, um sacristão prendeu um padre.
Bem, até que enfim o Alfredo Melo assume a verdade que nunca quis calar: ele é o Gatinho Cruel, que agora sai de cena para dar lugar ao seu criador. Enorme criatura no sentido literal, na bondade, no caráter e no conhecimento profundo do futebol e das coisas boas da vida, inclusive pratos deliciosos. Ah, tem também a paixão pelo Botafogo cada dia maior…