Por: Alfredo Melo – Os jovens torcedores, provavelmente, nunca ouviram falar nos chefes das torcidas dos clubes do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960. A torcida do Flamengo era comandada por Jaime de Carvalho e sua charanga.
A torcida do Fluminense era liderada por Paulista. O haltero lista Tarzan comandava a torcida do Botafogo. Juarez, com seu vasto bigode negro, liderava a torcida do Bangu, que, ironicamente, na letra do seu hino, diz: “A torcida reunida parece a do Fla-Flu, Bangu, Bangu, Bangu”. Como esquecer Dulce Rosalina, a primeira mulher a comandar uma torcida organizada?
Em 1952, ela criou a TOV (Torcida Organizada do Vasco). Esses torcedores exerceram suas lideranças até meados dos anos 1970, quando começaram a surgir facções independentes dentro das torcidas.
Hoje não existe mais um torcedor como Ramalho, que, durante duas décadas, assistia aos jogos do Vasco, andando de ponta a ponta na torcida do clube, tocando o seu clarim feito de talo de mamona.
Quando o Vasco estava sendo pressionado pelo adversário e a torcida apreensiva, ouvia-se o clarim vibrante de Ramalho, atacando os acordes da Marcha da ópera Aída. Era a senha para despertar a torcida comandada por Dulce Rosalina nas arquibancadas e o time dentro de campo.
O mais importante é que era o Ramalho só. Ele não se confundia com a torcida organizada, nem com a charanga, nem com a massa.
A memória da torcida e do time do Vasco substituía o clarim de Ramalho, como se ele estivesse presente mesmo na ausência. Isso aconteceu em dois jogos do campeonato: na derrota para o Flamengo e no empate com o América.
Os jogadores sentiram a ausência de Ramalho e correram até o presidente Calçada: “Onde anda o Ramalho?” O presidente Calçada conheceu Ramalho quando ele apareceu com um memorando assinado por Calçada, no qual o Vasco eliminava o Sr. Domingos do Espírito Santo Ramalho do quadro social do clube por falta de pagamento. Foi nesse dia que Calçada descobriu que Ramalho, do clarim de talo de mamona, além de torcedor, era sócio do Vasco.
Ramalho era estivador, tinha mulher e cinco filhos, e não tinha condições de pagar as mensalidades. Calçada levou Ramalho à tesouraria do clube e, do próprio bolso, pagou suas mensalidades antecipadamente por três anos.
Todo domingo, Ramalho acordava bem cedo, ia a Duque de Caxias cortar os talos de mamona para fazer seu clarim e, depois, ia para o jogo. Para atender aos jogadores, o presidente Calçada foi, pessoalmente, à casa de Ramalho, em Bonsucesso, e descobriu que ele estava com um calo na boca provocado pelo talo de mamona e não conseguia tocar. Calçada levou Ramalho ao médico, que fez uma pequena cirurgia.
O Vasco queria saber se Ramalho poderia tocar no domingo e, antes que o médico respondesse, Ramalho disse: “Mesmo que não deva, vou tocar.” No domingo, quando o Vasco entrou em campo, ouviu-se, mais forte do que nunca, o som do clarim de talo de mamona de Ramalho.
A torcida explodiu na arquibancada, e os jogadores do Vasco o aplaudiram do gramado. Hoje em dia, nas torcidas, não há mais espaço para o romantismo de torcedores como Ramalho.
Bem, até que enfim o Alfredo Melo assume a verdade que nunca quis calar: ele é o Gatinho Cruel, que agora sai de cena para dar lugar ao seu criador. Enorme criatura no sentido literal, na bondade, no caráter e no conhecimento profundo do futebol e das coisas boas da vida, inclusive pratos deliciosos. Ah, tem também a paixão pelo Botafogo cada dia maior.