
Em São Paulo, a caipirinha anima balada, e um acidente fatal por dirigir alcoolizado ocorre a cada 1,2 horas. Em Nova York, o uísque brilha em filmes de Hollywood, enquanto um paciente com câncer de pulmão luta para respirar após décadas de tabaco. No Brasil e nos EUA, tabaco e álcool matam muito mais que overdoses de drogas – 300.000 vidas por ano no Brasil (200.000 por tabaco, 100.000 por álcool) e 630.000 nos EUA (480.000 por tabaco, 150.000 por álcool), contra 10.000-15.000 e 105.000 overdoses, respectivamente, em 2023. Baratos, legais e romantizados em sambas, poesias e séries, esses assassinos agem lentamente, destruindo famílias e custando bilhões. Enquanto overdoses por fentanil ou cocaína geram manchetes e comoção, o álcool, vendido por R$5 ou US$2, é visto como “parte da vida” – até que a cirrose ou um acidente revele sua face mortal. Por que celebramos o que nos mata mais?
O tabaco é a principal causa de mortes evitáveis em ambos os países. Nos EUA, ele ceifa 480.000 vidas anuais (36% das mortes evitáveis), com 120.000-150.000 por câncer de pulmão, 160.000 por doenças cardíacas e 100.000-120.000 por DPOC. No Brasil, são 200.000 mortes (15-20% das evitáveis), com 30.000 por câncer e 80.000 por problemas cardiovasculares. O álcool vem em segundo: 150.000 mortes nos EUA (28.000 por cirrose hepática, 18.429-18.929 por dirigir sob influência) e 100.000 no Brasil (30.000-40.000 por cirrose, 10.000-11.000 no trânsito).
Overdoses, embora graves, ficam atrás: 105.000 nos EUA (72.776 por fentanil, 10.000 por heroína e outros opioides, 34.855 por metanfetamina, 29.449 por cocaína) e 10.000-15.000 no Brasil (7.000-8.000 por cocaína, 2.000-3.000 por opioides).
Tabela Comparativa: Mortes Evitáveis em 2023
Causa | Brasil (Mortes) | EUA (Mortes) | % do Total Evitável (Brasil/EUA) |
Tabaco | 200.000 | 480.000 | 15-20%/36% |
Álcool | 100.000 | 150.000 | 10-12%/11% |
Overdoses | 10.000-15.000 | 105.000 | 1-2%/8% |
Cirrose Alcoólica | 30.000-40.000 | 28.000 | 30-40% (álcool)/15,7% (álcool) |
Dirigir Sob Influência (Álcool + Drogas) | 10.000-11.000 | 18.429-18.929 | 30% (trânsito)/30% (trânsito) |
Tarefas no Trabalho Sob Influência | 500-1.000 | 200-300 | 10-15% (trabalho)/40% (trabalho) |
Fontes: CDC, NHTSA, BLS (EUA); INCA, CISA, Ministério da Saúde, Projeto Tânatos (Brasil).
No Brasil, 50% das mortes violentas (homicídios, acidentes) envolvem álcool ou drogas, com a cocaína liderando overdoses. Nos EUA, o fentanil domina (69% das overdoses), mas caiu 24% em 2024 (87.000 mortes). Tabaco e álcool, porém, superam overdoses em 6-10 vezes, mas recebem menos atenção. Por quê?
Romantização e Estigma: Uma Contradição Mortal
O álcool, vendido por R$5 no Brasil ou US$2 nos EUA, é uma droga legal e barata, celebrada como símbolo de liberdade e paixão. No Brasil, sambas como “Mas Que Nada” e sertanejos como “Beber, Cair e Levantar” glorificam a cachaça; novelas mostram bares como refúgios. Nos EUA, séries como Mad Men e filmes como O Lobo de Wall Street transformam uísque e coquetéis em ícones de sofisticação.
Poetas como Vinicius de Moraes (Brasil) e Charles Bukowski (EUA) romantizam o álcool como musa da criatividade. Essa normalização cultural – com 20,8% dos brasileiros e 30% dos americanos praticando binge drinking (Vigitel, CDC) – mascara os danos:
- cirrose mata 30.000-40.000 no Brasil e 28.000 nos EUA;
- acidentes no trânsito, 10.000-11.000 e 18.429-18.929.
Quando as consequências aparecem, o estigma é cruel. “Me chamam de bêbado, não de doente”, diz João, 48, de Recife, com cirrose, que perdeu amigos e família. Nos EUA, Mary, 55, com DPOC por tabaco, evita eventos sociais por vergonha do oxigênio. Cerca de 50% dos alcoólatras brasileiros e 40% dos pacientes com doenças do tabaco nos EUA relatam isolamento (CISA, CDC).
O estigma é pior para o álcool, visto como “culpa pessoal” em ambos os países, especialmente entre classes mais baixas, que consomem bebidas baratas. Overdoses, por outro lado, geram comoção: no Brasil, a cocaína (7.000-8.000 mortes) está associada a elites urbanas; nos EUA, o fentanil (72.776 mortes) é uma crise nacional, com campanhas e naloxona.
As overdoses chocam porque matam rápido. O álcool destrói lentamente, então é ignorado.
O Preço: Financeiro e Humano
O tabaco custa R$153 bilhões no Brasil e US$405 bilhões nos EUA (saúde + produtividade). O álcool, R$100 bilhões e US$249 bilhões, com a cirrose gerando despesas de até R$200.000 (Brasil) e US$800.000 (EUA, transplantes). Esses custos sobrecarregam sistemas de saúde (SUS, Medicare) e famílias, que enfrentam dívidas médicas. O estigma agrava a dor: “Perdi minha família antes da doença”, diz João, cujo alcoolismo levou ao divórcio.
Nos EUA, o fumo passivo (41.000 mortes) gera tensões familiares, enquanto pacientes com DPOC relatam depressão (40%, CDC). Overdoses, embora devastadoras, recebem mais recursos: bilhões em naloxona nos EUA e programas antidrogas no Brasil. Tabaco e álcool, por serem legais, são subfinanciados, apesar de matarem mais.A percepção social também difere. No Brasil, o álcool é associado a classes populares (cachaça barata), enquanto a cocaína é vista como “droga de elite”, gerando mais atenção midiática.
Nos EUA, o fentanil afeta todas as classes, mas sua visibilidade (celebridades, subúrbios) amplifica a comoção. O resultado é o mesmo – destruição –, mas o álcool carrega um estigma mais pesado por sua acessibilidade e romantização.
Diferenças e Semelhanças: Cultura vs. Crise
No Brasil, o álcool está em 50% das mortes violentas (homicídios, acidentes), e a Lei Seca reduziu mortes no trânsito em 5% (CISA). A cocaína, com 7.000-8.000 overdoses, domina a atenção por sua ligação com crime.
Nos EUA, o fentanil (69% das overdoses) impulsionou respostas rápidas, como a naloxona, cortando overdoses em 24% em 2024 (CDC).
O tabaco é combatido com sucesso no Brasil (10% dos adultos fumam, Vigitel 2023) e nos EUA (12,5%, CDC), mas o álcool permanece normalizado: 20,8% dos brasileiros e 30% dos americanos consomem abusivamente.
O estigma é universal: apenas 5% dos alcoólatras no Brasil e 10% nos EUA buscam tratamento, temendo julgamento. A romantização agrava: do samba ao country, o álcool é celebrado, enquanto overdoses são demonizadas.
Soluções: Desromantizando e Agindo
Brasil e EUA têm lições a compartilhar. A Lei Seca brasileira reduziu mortes no trânsito; a naloxona americana salvou milhares de overdoses. Políticas antitabaco reduziram fumantes (Brasil: de 12% para 10%; EUA: de 14% para 12,5%).
Mas o álcool precisa de mais: campanhas contra sua romantização (ex.: retratar cirrose em novelas, não bares), acesso a tratamento (apenas 5-10% dos alcoólatras atendidos) e leis mais duras contra dirigir alcoolizado.
Precisamos mostrar que o álcool é uma droga como qualquer outra. Reduzir o estigma – tratando alcoolismo como doença, não fraqueza – pode reconstruir famílias. Cada morte evitada é uma história reescrita.
Tabaco e álcool matam mais que overdoses no Brasil e nos EUA, mas sua legalidade, acessibilidade e romantização os tornam invisíveis. O estigma culpa vítimas, enquanto a sociedade se comove mais com a cocaína ou o fentanil, que matam rápido e afetam até “elites”. O resultado – destruição de vidas e famílias – é o mesmo, seja por uma garrafa de R$5 ou uma dose de droga.
Brasil e EUA podem aprender juntos: desromantizar o álcool, combater o estigma e investir em prevenção. É hora de tratar essas epidemias com a urgência que merecem, para salvar milhões e reconstruir laços.
Fontes:
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- CDC (Smoking & Tobacco Use, WONDER), NHTSA (2024 Traffic Safety Facts), NIAAA, BLS (cdc.gov, nhtsa.gov).
- Brasil: INCA, CISA, Ministério da Saúde, Vigitel 2023, Projeto Tânatos (inca.gov.br, cisa.org.br).
- Estudo revela: mais de metade das vítimas de mortes violentas no Brasil havia consumido ao menos uma substância psicoativa (USP)
- Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil
Linhas de Ajuda e Centros de Prevenção no Brasil e nos EUA
Brasil
Categoria | Recurso | Descrição e Contato |
Overdoses e Abuso de Drogas | Disque Drogas (SENAPRED/Ministério da Cidadania) | Linha gratuita 24h para orientação sobre dependência de drogas, recuperação e apoio a familiares. Inclui encaminhamento para CAPS AD (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas). Telefone: 180 |
Abuso de Álcool | Alcoólicos Anônimos (AA) | Grupos de mútua ajuda para dependentes de álcool, com reuniões presenciais e online. Apoio psicológico e reinserção social. Telefone: 11 3315-9696 (SP) ou busque local via site (aa.org.br) |
Abuso de Álcool e Drogas (Geral) | CAPS AD (Rede SUS) | Centros públicos para tratamento ambulatorial de dependência química, incluindo desintoxicação e terapia. Acesse via UBS local ou mapa do Ministério da Saúde. Mapa: raps.saude.gov.br |
Prevenção ao Suicídio | Centro de Valorização da Vida (CVV) | Apoio emocional 24h, prevenção ao suicídio via escuta qualificada. Parceria com SUS. Telefone: 188 (gratuito); Chat/e-mail: cvv.org.br |
Prevenção ao Suicídio (Geral) | Setembro Amarelo / ABP-CFM | Campanha nacional com recursos educativos e encaminhamentos para CAPS. Foco em conscientização e tratamento de transtornos mentais. Site: setembroamarelo.com |
EUA
Categoria | Recurso | Descrição e Contato |
Overdoses e Abuso de Drogas | SAMHSA National Helpline | Linha 24/7 para referências a tratamento de dependência química, overdoses e suporte familiar. Inclui localização de centros. Telefone: 1-800-662-HELP (4357) (em inglês/espanhol) |
Overdoses (Específico) | Never Use Alone Hotline | Serviço de monitoramento remoto para uso solitário de drogas, com resposta a overdoses. Confidencial e peer-led. Telefone: 1-800-484-3731 |
Abuso de Álcool | National Council on Alcoholism and Drug Dependence (NCADD) Helpline | Apoio para alcoolismo, com referências a grupos como AA e tratamento. Telefone: 1-800-NCA-CALL (1-800-622-2255) |
Abuso de Álcool e Drogas (Geral) | NIAAA Alcohol Treatment Navigator | Ferramenta online para encontrar tratamentos personalizados para AUD, com helpline integrada. Telefone: 1-800-662-HELP (4357); Site: niaaa.nih.gov |
Prevenção ao Suicídio | 988 Suicide & Crisis Lifeline | Linha nacional 24/7 para crises suicidas, incluindo suporte a overdoses e abuso de substâncias. Conecta a centros locais. Telefone: 988 (chamada/text/chat) |
Prevenção ao Suicídio (Geral) | Suicide Prevention Resource Center (SPRC) | Recursos federais para prevenção, treinamento e centros locais. Foco em estratégias comunitárias. Site: sprc.org; Helpline via 988 |