FOLHAPRESS – Em meio a renovadas denúncias de massacre de civis, o Talibã usou palavras suaves para agradecer ajuda internacional e pediu que os Estados Unidos demonstrem ter “um grande coração” em relação ao Afeganistão.
A fala foi do chanceler interino do país, Amir Khan Muttaqi, durante uma entrevista coletiva em Cabul. Ele comentava o anúncio feito ela ONU (Organização das Nações Unidas) de que já havia US$ 1,2 bilhão em doações de Estados-membros para ajudar a mitigar a crise afegã.
O grupo fundamentalista islâmico retomou o poder em 15 de agosto, 20 anos depois de ser expulso a bombas pelos americanos, que puniram o Talibã por proteger os terroristas que executaram o 11 de Setembro.
“O Emirado Islâmico fará o seu melhor para entregar essa ajuda para as pessoas necessitadas de uma forma completamente transparente. Os EUA são um grande país, eles têm de ter um grande coração”, disse.
Os americanos lideraram a ocupação militar do pós 11 de Setembro, encerrada de vez no dia 30 de agosto.
Para Muttaqi, os países precisam evitar o que chamou de politização do assistencialismo. Cerca de um terço da população afegã de 37 milhões de pessoas depende diretamente de doações internacionais para comer.
Desde a volta do Talibã, o país ainda não retomou um grau aceitável de estabilidade, e a economia vive uma espiral inflacionário não controlada.
Suas finanças são um problema: as reservas internacionais de US$ 9,4 bilhões estão congeladas, diversos doadores cortaram ajuda e o tráfico de ópio (que pagava parte das contas de até US$ 1,5 bilhão anuais do grupo) não é suficiente.
Em mais um sinal de desconfiança, o governo do Qatar anunciou que só continuará a operar o aeroporto de Cabul caso o Talibã delineie regras claras de governança do local. Uma equipe qatari restaurou as operações e, na segunda (13), pousou o primeiro voo comercial internacional, vindo de Islamabad (Paquistão).
Tudo fica mais nebuloso com a boataria que ronda Cabul acerca de disputas internas na liderança talibã, que até agora não deu posse formal ao seu governo interino de 25 ministros e 12 conselheiros, todos homens e ligados à ortodoxia radical do grupo e seus afiliados.
O premiê adjunto, mulá Abdul Ghani Baradar, não é visto há dias. Seu escritório emitiu uma declaração de que ele estava em Kandahar, mas sem mostrar imagens. Isso alimentou o rumor de que ele, que era visto como o futuro premiê, pode ter sido morto ou ferido numa briga.
Mesmo o líder supremo do Talibã, mulá Hibatullah Akhundzada, ainda não fez nenhuma aparição –na realidade, há anos isso não acontece. Mas até aqui, o fundador do grupo, mulá Mohammed Omar, também não se expunha em público quando estava no poder.
Concorre também contra o grupo fundamentalista islâmico a desconfiança central acerca de sua prometida moderação.
Nesta terça (14), o serviço afegão da rede britânica BBC afirmou que há relatos de pelo menos 20 execuções de civis no vale do Panjshir, a região rebelde que o Talibã disse já ter subjugado definitivamente, apesar da promessa de líderes da Frente Nacional de Resistência de seguir lutando.
Um vídeo mostrou uma pessoa, em uniforme, sendo executada por talibãs. Em todo o país, há descrições semelhantes de violência esporádica, quando não sistemática: as buscas por colaboradores ocidentais continuam sendo feitas em cidades maiores.
Há protestos, como aqueles feitos por mulheres em Cabul, Herat e outras cidades. Nesta terça, problemas da vida real bateram à porta do grupo, que governou 90% do Afeganistão como um califado medieval sob regras islâmicas draconianas de 1996 a 2001.
Em Kandahar, capital espiritual do Talibã e sede das escolas religiosas associadas a seus fundadores, milhares de moradores de uma colônia destinada a oficiais aposentados das forças de segurança foram às ruas.
Eles se queixavam da ordem de despejo apresentada pelo novo governo, que os quer ver fora do local em três dias. Argumentam que estão lá há três décadas.