
Boston, 25 de Agosto de 2025 – Em junho de 2025, as ruas de cidades como Los Angeles, Portland e Seattle foram palco de operações ostensivas do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE), com vans pretas e agentes armados conduzindo batidas em busca de imigrantes indocumentados. No comando, Tom Homan, czar de fronteira da administração Trump, cuja declaração ressoa como um manifesto: “A América será a nação mais segura do mundo até o fim do mandato de Trump”. A promessa, feita em entrevista à Fox News em 24 de agosto de 2025, é sustentada por uma política de deportação em massa que Homan defende como essencial para a segurança pública. No entanto, dados do próprio ICE revelam uma contradição gritante: 71,7% dos detidos em junho de 2025 não tinham condenações criminais. Por que, então, a narrativa que associa imigração indocumentada à criminalidade persiste?
O Discurso da “Lei e Ordem” Homan, ex-diretor interino do ICE e agora figura central na agenda migratória de Trump, sustenta que suas operações visam “criminosos graves” e “ameaças à segurança nacional”. Em 21 de janeiro de 2025, ele anunciou a prisão de 308 “criminosos graves” em um único dia, incluindo casos de homicídio e violência sexual, conforme destacou à CNN. A retórica é reforçada por exemplos de crimes de grande repercussão, como o assassinato de Laken Riley, uma estudante da Geórgia morta em 2024 por um imigrante venezuelano com acusações menores. Esse caso impulsionou a Lei Laken Riley, que autoriza a detenção de imigrantes por infrações leves, como furto, sem exigência de condenação.
Para Homan, a equação é simples: menos imigrantes indocumentados, menos crime. Mas os números contam outra história. Em junho de 2025, o ICE mantinha 51 mil pessoas detidas, das quais 71,7% não tinham antecedentes criminais, segundo dados da Universidade de Syracuse. Essas prisões, muitas realizadas em batidas em locais como lojas da Home Depot ou bairros de trabalhadores diaristas, atingem indivíduos cuja única infração é a falta de status migratório legal – uma violação administrativa, não penal.
A estratégia, que inclui o uso de agentes mascarados e vans sem identificação, foi descrita por líderes locais como “opressiva”. O governador da Califórnia, Gavin Newsom, classificou as operações como “cruéis”, enquanto o prefeito de São Francisco, Daniel Lurie, denunciou o uso de gás lacrimogêneo contra manifestantes que protestavam contra as batidas.
A “Crimigração”
A associação entre imigração indocumentada e criminalidade, que Homan e Trump exploram, é parte de um fenômeno que a professora Juliet Stumpf chama de “crimigração” – a fusão entre as esferas migratória e penal. Medidas como detenção prolongada e deportação, embora formalmente civis, assumem a gravidade de punições criminais, com indivíduos algemados e transferidos em condições que o governo brasileiro, em protesto oficial ao Itamaraty, classificou como “degradantes” após voos de deportação em 2025. Um desses voos, que levou 88 brasileiros a Manaus em janeiro, foi alvo de críticas por violações de acordos bilaterais que exigem tratamento humano.
A narrativa de criminalidade, no entanto, não resiste aos dados. Estudos da Pew Research Center mostram que, em 2023, 9,7 milhões de imigrantes indocumentados integravam a força de trabalho dos EUA, contribuindo para a economia em estados como Califórnia, Texas e Flórida. Não há evidências estatísticas robustas de que a imigração irregular aumente a criminalidade geral, como apontam organizações como a Voto Latino. Ainda assim, a administração Trump capitaliza casos isolados para justificar uma política que, até abril de 2025, deportou 140 mil pessoas, segundo o Departamento de Segurança Interna (DHS).
O aumento de 268% nas prisões diárias do ICE, conforme reportado pelo The Guardian, reflete a intensidade dessa ofensiva, mas também seu caráter indiscriminado.
A promessa de Homan de transformar os EUA na “nação mais segura” até 2029 depende de uma máquina de deportação que consome recursos massivos – US$ 28 bilhões anuais para o ICE, conforme o Big Beautiful Bill – e mobiliza 1.700 membros da Guarda Nacional em 19 estados. A construção de instalações como o “Alligator Alcatraz”, suspensa por uma juíza da Flórida em 2025, simboliza a ambição dessa política, mas também suas controvérsias. Líderes comunitários e defensores dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, alertam que as batidas do ICE criam um clima de medo, afastando imigrantes indocumentados de serviços essenciais, como saúde e educação, e fragmentando comunidades.
A polarização é evidente: de um lado, a visão de que a segurança exige deportações; de outro, a denúncia de que essas políticas estigmatizam milhões de trabalhadores e famílias, violando princípios de justiça.
Um Legado de Divisão
A declaração de Homan, embora ambiciosa, ignora a complexidade da imigração indocumentada. A política de deportação em massa, que já atingiu números recordes, não distingue entre “criminosos” e trabalhadores sem antecedentes, como mostram os 71,7% de detidos sem condenações. A insistência em criminalizar a imigração, sem respaldo em dados amplos, alimenta um ciclo de medo e exclusão, enquanto o impacto econômico e social das deportações ameaça desestabilizar estados que dependem da mão de obra indocumentada.
A promessa de uma América “mais segura” pode ser um slogan poderoso, mas, nas ruas onde o ICE opera, o preço é pago em direitos humanos e coesão comunitária. A pergunta que resta é: segurança para quem? E a que custo?