JCEDITORES – O presidente Donald Trump assinou, na segunda-feira, 19, a “Lei de Remoção” (“Take It Down Act”), que criminaliza a disseminação de imagens íntimas não consensuais e pornografia gerada por inteligência artificial (deepfake). A legislação, promovida pela primeira-dama Melania Trump, levanta questionamentos sobre seus impactos na liberdade de expressão, embora seja apresentada como uma medida de proteção.
“Esta legislação representa um avanço significativo em nossos esforços para garantir que todos os americanos, especialmente os jovens, se sintam mais protegidos contra o abuso de sua imagem ou identidade por meio de imagens íntimas não consensuais”, declarou Melania Trump durante a cerimônia de assinatura. Ela destacou que novas tecnologias de inteligência artificial e redes sociais podem ter consequências “potencialmente letais”. Contudo, a amplitude de tal proteção suscita preocupações sobre possíveis interpretações excessivamente restritivas.
A “Lei de Remoção”, proposta pelos senadores Ted Cruz e pela deputada Maria Elvira Salazar, torna crime federal a publicação ou ameaça de publicação de imagens explícitas, incluindo aquelas geradas por inteligência artificial, sem o consentimento da pessoa retratada. As penalidades incluem até dois anos de prisão quando a vítima é adulta e três anos se for menor de idade. A severidade das punições, embora justificável em casos claros de abuso, pode gerar questionamentos sobre sua aplicação em situações ambíguas.
A nova lei também obriga plataformas de redes sociais e outros sites a remover conteúdos de pornografia de vingança em até 48 horas após denúncia, exigindo esforços “razoáveis” para eliminar cópias das imagens. As plataformas que descumprirem a norma estarão sujeitas a penalidades civis impostas pela Comissão Federal de Comércio (FTC). Essa obrigatoriedade, embora vise proteger vítimas, pode pressionar empresas a adotarem medidas de moderação excessivamente cautelosas, potencialmente limitando conteúdos legítimos sob a justificativa de cumprir a lei.
Aprovada na Câmara dos Deputados com esmagadora maioria bipartidária (409 votos a 2) em abril e no Senado por unanimidade, a lei reflete um raro consenso político. No entanto, críticos apontam que sua redação ampla pode comprometer a liberdade de expressão, especialmente ao englobar conteúdos como pornografia legal, que não se enquadram no escopo de abuso. Essa preocupação, embora não dominante, sugere a necessidade de vigilância sobre como a lei será implementada.
“Com o avanço da geração de imagens por inteligência artificial, inúmeras mulheres foram acosadas com deepfakes e outras imagens explícitas distribuídas sem seu consentimento”, afirmou o presidente Trump. “Isso é errado, profundamente errado, e é uma situação abusiva, em alguns casos, sem precedentes. Hoje, estamos tornando isso totalmente ilegal.” Apesar do discurso enfático, a retórica presidencial não dissipa dúvidas sobre os limites práticos da lei e seus efeitos colaterais.
Durante a cerimônia, o presidente convidou a primeira-dama a assinar simbolicamente a lei, destacando que “ela merece assiná-la”. O gesto, embora cerimonial, reforça o caráter pessoal do envolvimento de Melania Trump na iniciativa.
A legislação federal complementa a Lei de Reautorização da Violência Contra Mulheres de 2022, que já permitia às vítimas processarem civilmente os responsáveis por divulgar imagens íntimas sem consentimento. Além disso, a “Lei de Remoção” alinha-se a iniciativas estaduais, como a lei assinada em junho de 2024 pela governadora de Massachusetts, Maura Healey, que criminaliza pornografia de vingança, incluindo imagens geradas por computador, e amplia a definição de assédio criminal para incluir a distribuição de imagens sexuais sem consentimento.
Embora a intenção de proteger vítimas de abusos seja louvável, a “Lei de Remoção” exige um exame minucioso contínuo sobre esse assunto sensível para evitar que, sob o pretexto de coibir práticas inaceitáveis, abra espaço para interpretações que restrinjam indevidamente a liberdade de expressão na internet.
A linha entre proteção e censura é tênue, e a aplicação prática dessa legislação será crucial para determinar seu verdadeiro impacto.
A Janela de Overton e o Risco de Normalização da Censura
A Janela de Overton refere-se ao conjunto de ideias consideradas aceitáveis pela sociedade em determinado momento, podendo ser gradualmente alterado para legitimar práticas antes impensáveis. No caso da “Lei de Remoção”, sua introdução sob amplo consenso pode servir como um mecanismo para normalizar a censura, de forma sutil e muitas vezes imperceptível. A seguir, analiso, com ceticismo moderado, como essa legislação pode deslocar os limites do aceitável em direção a maior controle sobre conteúdos digitais:
- Legitimação por uma Causa Moral Inquestionável: Leis como a “Take It Down Act” são apresentadas com objetivos moralmente inatacáveis, como proteger vítimas de pornografia de vingança ou combater abusos facilitados por inteligência artificial. Essa justificativa ressoa emocionalmente com o público, dificultando críticas sem que o opositor pareça insensível ou conivente com o problema.
A aceitação inicial de medidas restritivas, nesse contexto, torna-se um precedente para regulações mais amplas, deslocando a Janela de Overton ao normalizar a intervenção estatal sobre conteúdos digitais. - Ambiguidade na Redação e Aplicação: A legislação frequentemente utiliza termos vagos, como “esforços razoáveis” para remoção de conteúdo ou definições amplas de “imagens explícitas”. Essa imprecisão permite interpretações expansivas por autoridades ou plataformas, que podem optar por remover conteúdos legítimos para evitar penalidades.
Com o tempo, a sociedade pode se acostumar a essas remoções, percebendo-as como rotineiras, mesmo quando afetam liberdade de expressão. O ceticismo aqui reside na possibilidade de que a lei, embora bem-intencionada, seja um cavalo de Troia para controles mais rigorosos. - Transferência de Responsabilidade às Plataformas: Ao impor obrigações às redes sociais, como a remoção de conteúdo em 48 horas, a lei pressiona empresas a adotarem políticas de moderação conservadoras.
Para minimizar riscos legais, plataformas podem implementar algoritmos ou decisões humanas que priorizem a remoção preventiva, mesmo de conteúdos borderline. Esse “excesso de cautela” pode silenciar vozes legítimas, e o público, acostumado a uma internet mais restrita, pode não perceber a erosão gradual da liberdade de expressão. - Efeito de Escala e Precedente Legal: O amplo apoio bipartidário à lei (409-2 na Câmara e unanimidade no Senado) sinaliza uma rara unidade política, o que reforça sua percepção como “inevitável” ou “necessária”. Esse consenso facilita a aprovação de legislações futuras com escopo ainda mais amplo, sob o argumento de que “já regulamos isso antes”.
A desconfiança surge da possibilidade de que o precedente estabelecido seja usado para justificar controles sobre outros tipos de conteúdo, como discurso político ou sátira, sob pretextos vagos de “dano” ou “segurança”. - Desensibilização Cultural: A repetição de narrativas sobre os perigos da tecnologia (como deepfakes ou desinformação) condiciona a sociedade a aceitar restrições como solução natural.
A ênfase em casos extremos, como o sofrimento de vítimas de pornografia não consensual, cria um senso de urgência que ofusca debates sobre consequências a longo prazo. Com o tempo, a população pode internalizar a ideia de que a censura, disfarçada de proteção, é um preço aceitável, deslocando a Janela de Overton para tolerar maior controle estatal ou corporativo. - Falta de Transparência e Debate Público: A rapidez com que tais leis são aprovadas, muitas vezes com apoio unânime, pode limitar o escrutínio público.
Críticas, como as levantadas por opositores que apontaram riscos à liberdade de expressão, são marginalizadas ou abafadas pelo consenso moral. Sem um debate robusto, a população não é exposta às implicações mais amplas, facilitando a aceitação passiva de medidas restritivas.
Como Isso Passa Despercebido?
A normalização ocorre porque as mudanças são graduais e ancoradas em causas populares. A população, focada em preocupações imediatas, tende a não perceber a conexão entre uma lei específica e um padrão mais amplo de controle. Além disso, a confiança nas instituições ou a crença de que “apenas conteúdos nocivos” serão visados reduz a vigilância pública. O ceticismo é necessário para questionar se essas iniciativas, por mais justificáveis que pareçam, podem ser instrumentalizadas para fins menos nobres.
A “Lei de Remoção” ilustra como medidas bem-intencionadas podem servir como uma Janela de Overton para normalizar a censura. Ao ancorar-se em uma causa moral, usar redações ambíguas, transferir poder às plataformas e estabelecer precedentes, tais leis podem habituar a sociedade a restrições crescentes. Sem alarmismo, é prudente manter um olhar crítico sobre sua implementação e resistir à complacência, garantindo que a proteção de direitos não se transforme em pretexto para controle indevido.
Embora a intenção de proteger vítimas de abusos seja louvável, a “Lei de Remoção” exige escrutínio contínuo para evitar que, sob o pretexto de coibir práticas inaceitáveis, abra espaço para interpretações que restrinjam indevidamente a liberdade de expressão na internet. A linha entre proteção e censura é tênue, e a aplicação prática dessa legislação será crucial para determinar seu verdadeiro impacto.