
Em uma declaração veiculada em sua plataforma Truth Social na noite de Ação de Graças, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a intenção de impor uma “pausa permanente” à imigração proveniente de todos os “países do Terceiro Mundo”, medida que representa uma escalada sem precedentes em sua agenda restritiva de fronteiras. A proclamação, divulgada horas após a confirmação da morte de uma integrante da Guarda Nacional em um tiroteio nas proximidades da Casa Branca, vincula diretamente o incidente a falhas supostamente inerentes ao sistema migratório, e já suscita reações internacionais, com a Organização das Nações Unidas (ONU) instando os Estados Unidos a respeitarem obrigações humanitárias globais.
O episódio que precipitou a declaração ocorreu na quarta-feira, 26 de novembro, na Praça Farragut, a poucos quarteirões da residência presidencial. Dois membros da Guarda Nacional da Virgínia Ocidental – a especialista Sarah Beckstrom, de 20 anos, e o sargento Andrew Wolfe, de 24 anos – foram alvejados em uma emboscada descrita pelas autoridades como um possível ato de terrorismo doméstico. Beckstrom, natural de uma pequena cidade no Meio-Oeste americano e alistada há apenas seis meses, sucumbiu aos ferimentos no dia seguinte, enquanto Wolfe permanece em estado crítico em um hospital militar local. O suspeito, Rahmanullah Lakanwal, um afegão de 29 anos que ingressou nos Estados Unidos em 2021 por meio de um programa de reassentamento para aliados locais durante a retirada das tropas americanas do Afeganistão, foi detido no local após ser ferido no confronto.
Lakanwal, que obteve asilo político em abril de 2025 – ainda no primeiro mandato de Trump –, trabalhava como intérprete para forças da CIA e não apresentava antecedentes criminais conhecidos, segundo fontes do Departamento de Justiça.
Em postagem assinada pessoalmente, Trump atribuiu o ataque a “milhões de admissões ilegais” promovidas pelo governo anterior de Joe Biden, alegando que “centenas de milhares” de indivíduos entraram no país “sem verificação e sem controle” durante a evacuação caótica de Cabul. “Vou pausar permanentemente a migração de todos os países do Terceiro Mundo para permitir que o sistema dos EUA se recupere totalmente, encerrar todas as milhões de admissões ilegais de Biden – incluindo aquelas assinadas pela caneta automática do sonolento Joe Biden – e remover qualquer pessoa que não seja um ativo líquido para os Estados Unidos”, escreveu o presidente, prometendo ainda o fim de benefícios federais a não cidadãos e a instauração de um programa de “migração reversa” para deportar imigrantes “incompatíveis com a civilização ocidental“.
Trump não delimitou explicitamente o escopo geográfico do termo “países do Terceiro Mundo“, uma expressão em desuso desde a Guerra Fria, mas o Departamento de Segurança Interna (DHS) referenciou uma lista de 19 nações de “preocupação”, elaborada em junho de 2025, que inclui Afeganistão, Haiti, Irã, Somália, Sudão, Venezuela e Iêmen, entre outros. Essa relação, inicialmente aplicada a restrições de vistos, pode ser expandida para abranger até 45 países classificados pela ONU como “menos desenvolvidos”, conforme especulações em círculos diplomáticos.
A medida alinha-se a uma série de ações recentes da administração Trump, que desde janeiro de 2025 revogou cerca de 80 mil vistos não imigrantes e mobilizou 2.500 tropas da Guarda Nacional para cidades como Washington, sob o pretexto de uma “emergência criminal”. Na quinta-feira, o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS) iniciou a revisão de green cards – autorizações de residência permanente – emitidos a cidadãos desses 19 países, potencialmente afetando dezenas de milhares de indivíduos. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, anunciou o envio adicional de 500 agentes federais à capital, reforçando a presença militar em áreas urbanas controladas por democratas.
A resposta internacional não se fez esperar. Na sexta-feira, o vice-porta-voz do Secretário-Geral da ONU, em declaração à Reuters, enfatizou: “Esperamos que todos os países, incluindo os Estados Unidos, respeitem seus compromissos com base na Convenção dos Refugiados de 1951 [e seu Protocolo de 1967]”.
Agências vinculadas, como o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), emitiram comunicados conjuntos apelando à manutenção do acesso de solicitantes de asilo ao território americano. Arafat Jamal, chefe do escritório do ACNUR em Cabul, condenou o ataque em Washington, mas alertou que medidas discriminatórias puniriam coletivamente populações vulneráveis, violando o direito internacional humanitário. “Isso não deve afetar outros afegãos, requerentes de asilo e refugiados nos Estados Unidos”, declarou Jamal à AFP.
A crítica ecoa condenações anteriores da ONU às proibições de viagem impostas por Trump em 2017 e 2018, qualificadas como “ilegais e desumanas” pelo Alto Comissário para Direitos Humanos. Analistas preveem contestações judiciais nos tribunais americanos, semelhantes às que modificaram políticas semelhantes em 2018, quando a Suprema Corte validou uma versão atenuada da proibição inicial. Grupos de defesa de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights First, alinharam-se à posição da ONU, argumentando que a suspensão ampla carece de evidências empíricas – revisões acadêmicas recentes, incluindo estudos do Instituto de Política Migratória, indicam que imigrantes não elevam as taxas de criminalidade nos EUA.
Internacionalmente, a declaração pode tensionar alianças com nações em desenvolvimento, agravando a percepção dos Estados Unidos como uma potência isolacionista em matéria de migração. Enquanto o Congresso republicano sinaliza apoio à agenda de Trump, democratas como a líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, classificaram a proposta como “xenofóbica e contraprodutiva”.
O desenrolar das próximas semanas, com a possível emissão de uma ordem executiva, definirá não apenas o futuro da imigração legal nos EUA, mas também o papel do país em fóruns multilaterais como a ONU. Em um ano marcado por polarizações, o tiroteio em Washington emerge como catalisador de um debate que transcende fronteiras, questionando os limites entre segurança nacional e solidariedade global.


