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O ano de 2025 consolidou Massachusetts como epicentro da política migratória rigorosa da administração Trump. Duas grandes operações federais — Operation Patriot (maio/junho) e Patriot 2.0 (setembro/outubro) — resultaram em quase 3 mil detenções no estado: cerca de 1.461 na primeira e mais de 1.400 na segunda.
Autoridades do ICE e do DHS justificaram as ações como foco em “os piores dos piores” — criminosos violentos, membros de gangues transnacionais (como MS-13 e Tren de Aragua) e indivíduos com ordens de deportação ignoradas por políticas locais de santuário. No entanto, análises independentes indicam que mais da metade dos detidos em fases específicas não possuía registros criminais graves, afetando trabalhadores, pais de família e jovens imigrantes.
A comunidade brasileira, a maior grupo imigrante do estado (estimada em mais de 300 mil pessoas, concentrada em cidades como Milford, Marlborough, Framingham, Worcester, Acton, Everett e Allston), foi desproporcionalmente impactada. Dados do Deportation Data Project revelam que brasileiros representaram cerca de um quarto das detenções até julho (aproximadamente 780 de 2.800 no estado), tornando-se a nacionalidade mais afetada em muitas blitze.
Operation Patriot: o início da escalada
Lançada em maio, a Operation Patriot durou um mês e envolveu parceria com FBI, DEA e outras agências. O ICE destacou prisões de indivíduos com condenações por homicídio, estupro infantil e tráfico, muitos liberados anteriormente por jurisdições locais que não honraram detainers. Críticos, incluindo a governadora Maura Healey, classificaram a operação como “teatro político”, apontando que centenas de detidos eram não criminosos.
Em setembro, a Patriot 2.0 intensificou as ações, com mais de 600 detidos possuindo antecedentes significativos, mas novamente uma parcela substancial sem crimes graves. O DHS criticou políticas de santuário de Boston e do estado, alegando que atraem criminosos. A operação gerou protestos e ações judiciais, com Healey e a prefeita Michelle Wu condenando táticas como prisões em locais públicos.
Casos emblemáticos na comunidade brasileira
Marlborough: a blitz que separou uma família
Em 27 de janeiro de 2025, Lucas A., proprietário de uma empresa de pintura sem qualquer antecedente criminal, foi detido durante uma blitz de trânsito na Route 20, próximo à Main Street, em Marlborough.
Agentes do ICE participavam da operação aleatória de checagem de status migratório, e confirmaram que Amaral permanecia nos EUA após o vencimento de um visto de turista. Casado com Suyanne B. A. — beneficiária do DACA —, o casal tem uma filha de 3 anos e esperava outro bebê.
Ambos são ativos na Igreja Lagoinha em Leominster, onde ela canta e ele toca teclado. Um vídeo da prisão, gravado e divulgado nas redes sociais, viralizou, destacando a proximidade do local com a residência familiar — apenas cinco minutos de distância. O caso levantou debates sobre a separação de famílias integradas à comunidade.
Milford: traumas infantis e processos interrompidos
Milford concentrou episódios particularmente dramáticos. Em 30 de maio, Nexan A. A., guatemalteco residente nos EUA há 18 anos e sem antecedentes, foi detido em sua casa por agentes mascarados.
Eles buscavam outra pessoa, mas prenderam Nexan mesmo após apresentação de petição I-130 aprovada para residência legal.
Seus gêmeos de três anos presenciaram a cena, desenvolvendo trauma psicológico que exigiu acompanhamento — as crianças relatavam reviver os gritos do pai. Nexan , que recentemente abrira um negócio próprio, foi transferido para um centro em Vermont, onde encontrou condições desumanas.
Ainda em Milford, Valdiney G., trabalhador da construção civil, foi preso enquanto se dirigia ao trabalho. Às vésperas de obter o green card — após cinco anos de tramitação, com petição de casamento aprovada em 2021 e verificações concluídas —, ele deixou esposa americana, Ivelina F., um filho de seis anos e um enteado de 12.
Transferido sucessivamente para Burlington, Plymouth e uma unidade federal em New Hampshire, Goncalves relatou maus tratos chegando a dormir no chão.
Outro detido em Milford foi o conhecido Cowboy de Rondônia, preso quando agentes buscavam terceiro. Casado com M. Majesky, o casal é figura ativa na comunidade brasileira; ela continuou trabalhando e vendendo produtos típicos.
Acton: prisão no local de trabalho
Em 1º de agosto, Lucas R. P. de 28 anos, foi detido na Sorrento’s Pizzeria em Acton, onde trabalhava há mais de dois anos, na presença de clientes. Agentes mascarados o abordaram ao sair para pegar o celular. Sem antecedentes nos EUA ou Brasil, ele tinha pedido de asilo pendente; acusações antigas de dirigir com carteira suspensa foram contestadas pela defesa. Testemunhas descreveram a cena como intimidatória, levando críticas de autoridades locais como o representante estadual Danillo Sena, que conectou a família a advogados.
Everett: o caso de um menor
Em 9 de outubro, um adolescente brasileiro de 13 anos foi detido em Everett após interação com a polícia local. Transferido inicialmente para Vermont e depois para um centro juvenil em Winchester, Virgínia — a cerca de 800 km de casa —, o menino ficou entre adultos não relacionados.
Framingham: operação contra rede ilegal
Nem todos os casos envolviam não criminosos. Em 11 de março, quatro brasileiros — Douglas R. S. (40 anos), Dekny M. C. (33), Dekmara C. R. (34) e Wandiscleia F. S. G. (41) — foram presos em operação contra um consultório clandestino em apartamento. Acusados de conspiração para distribuir substâncias controladas (codeína, tramadol, clonazepam e morfina importadas do Brasil). Douglas fingia ser farmacêutico, recrutando os outros para processar pedidos.
Worcester: cenas tumultuadas e acusações graves
Worcester também registrou episódios de grande repercussão. Em fevereiro de 2025, Rosane F. Oliveira, de 40 anos, foi detida pelo ICE em uma cena tumultuada capturada em vídeo. Durante a operação, sua filha de 16 anos foi detida pela polícia local de Worcester, diante de uma multidão de moradores que se reuniu na rua em apoio à família brasileira. Rosane enfrentou acusações iniciais de agressão e lesão corporal com arma perigosa (um cabo de carregador de celular). No entanto, em julho, as acusações criminais foram arquivadas a pedido da promotoria.
O caso gerou indignação comunitária, com protestos em toda a cidade e críticas às autoridades municipais.
Em contraste, em 26 de março, Flavio A. A., conhecido como “Ronaldo”, de 41 anos e residente em Worcester, foi detido por autoridades federais acusado de papel central em uma extensa rede transnacional de contrabando humano.
A operação, coordenada pela Força-Tarefa Conjunta Alfa (em parceria com forças brasileiras), alega que Alves coordenava transporte de imigrantes, lavagem de dinheiro e cobrança de taxas, comprando mais de cem bilhetes aéreos e enviando centenas de milhares de dólares a cúmplices no México entre 2021 e 2022.
Allston: relatos à deputada federal
Em Allston, nove trabalhadores foram detidos em novembro durante raid em uma lavagem de carros. Sete foram liberados sob fiança; dois permaneceram presos. Em evento comunitário, a deputada Ayanna Pressley (D-MA) ouviu relatos emocionantes, criticando as ações como “campanha de ódio” que aterroriza comunidades.
Esses episódios, documentados pela imprensa comunitária, ilustraram táticas como blitze, prisões colaterais e transferências distantes. O ICE defendeu as operações como cumprimento da lei para segurança pública, enquanto críticos — incluindo governadora Maura Healey e prefeita Michelle Wu — apontaram impactos humanitários desproporcionais. Ao fim de 2025, o estado permaneceu polarizado entre prioridades federais e realidades locais de integração imigrante.


