Por: Anne Corpet, enviada especial da RFI a Kenosha
Os investigadores encontraram uma faca no veículo de Jacob Blake, que ele tentava alcançar quando foi baleado pela polícia de Kenosha, disse o Departamento de Justiça do estado de Wisconsin na quarta-feira (26), acrescentando que nenhuma outra arma foi encontrada durante a busca.
De acordo com o comunicado oficial, a polícia foi enviada para o local na cidade de Kenosha após uma ligação de uma mulher dizendo que “seu namorado” estava em sua casa e que “não deveria” estar lá. Uma vez no local, acrescentou o comunicado de imprensa, os agentes “sem sucesso” “tentaram parar” Jacob Blake com um taser. O homem de 29 anos teria avisado que “estava com uma faca”, dizem as autoridades locais.

Os investigadores também revelaram o nome do policial que atirou sete vezes em Blake: Rusten Sheskey. Ele foi demitido junto com um de seus colegas.
Milícias e grupos de autodefesa
Reflexo da raiva crescente, os protestos degeneram em violência todas as noites em Kenosha, com confrontos entre os manifestantes e a polícia. Apesar do toque de recolher, do destacamento de 250 militares da Guarda Nacional e dos apelos à calma lançados pela família de Jacob Blake, esse cenário se repetiu durante a noite de terça a quarta-feira.
Neste contexto de extrema tensão, duas pessoas foram mortas a tiros e uma terceira ferida na terça-feira (25) pouco antes da meia-noite, em circunstâncias que permanecem pouco claras.
Um adolescente de 17 anos, Kyle Rittenhouse, residente na cidade vizinha de Antioch, no estado de Illinois, a cerca de 30 quilômetros de distância, é suspeito de ser o autor dos tiroteios e foi preso sob pena de acusação de assassinato, disse a polícia local sem dar mais detalhes.
Segundo a mídia local, ele foi visto em presença de homens armados que se apresentam como “milícias” ou “grupos de autodefesa“, ansiosos por proteger a cidade. O xerife do condado David Beth confirmou sua presença na área, sem especificar se o atirador pertencia a esses grupos.
De acordo com vídeos postados online, o jovem de 17 anos, branco estava armado com um rifle de assalto. Em uma das fitas, ele parece estar fugindo enquanto outro jovem cai no chão com uma bala na cabeça. Em outra, o vemos sendo perseguido por um grupo, depois caindo no chão e virando-se de arma na mão. Os tiros são então audíveis.
“Por que esse policial não foi acusado?”
Na noite da quarta-feira (26), as manifestações continuaram em Kenosha, observou a enviada especial da RFI no local. “Não atire”, gritaram os manifestantes que marchavam pelas ruas, apesar do toque de recolher.
Todas as fachadas de prédios foram protegidas por barricadas para evitar saques. Mas, ao contrário do dia anterior, nenhum civil armado foi visto circulando na cidade. A polícia também se manteve muito discreta, fazendo apenas algumas prisões paralelas à manifestação pacífica. Mas a raiva popular continua forte e presente.
“Nós sabíamos que pessoas armadas viriam, mas não sabíamos que eles iriam abrir fogo contra a multidão”, disse Adam, que se manifestou pela quarta noite consecutiva. “Estamos lidando com adolescentes brancos armados com fuzis semiautomáticos na rua atirando nos manifestantes. Isso é uma loucura.”
O policial que atirou em Jacob Blake pelas costas foi simplesmente demitido e não indiciado. Isso é o que deixa Varneo Petterson, um afro-americano de Kenosha, indignado. “Por que esse policial não foi acusado?“, pergunta. “Essas coisas acontecem em nossa comunidade há muito tempo e ninguém é responsabilizado. É por isso que saí depois do toque de recolher“, denuncia.
“Idiotas destruindo minha cidade”
Carros queimados na avenida Sheridan, em Kenosha, testemunham os tumultos das noites anteriores (de protestos pacíficos). Jim, aposentado, levava seu cachorro para passear fora de casa. Ele não se diz chocado com a morte de dois manifestantes na noite passada: “Há idiotas destruindo minha cidade. Eles não são daqui e eu acho que todos os residentes de Kenosha precisam sacar suas armas para expulsar essas pessoas de nossa cidade!“, disse.
A Guarda Nacional permanece confinada em seus veículos blindados. Dois helicópteros sobrevoam Kenosha, uma cidade que reflete, mais do que nunca, uma América dividida.