
Nos Estados Unidos, onde políticas migratórias se intensificaram com um orçamento de US$ 75 bilhões destinado ao Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) até 2029, comunidades de imigrantes e ativistas estão respondendo com uma estratégia ousada: rastrear agentes do ICE em tempo real para alertar sobre possíveis operações de deportação. De Los Angeles a Nova York, ativistas utilizam redes sociais e aplicativos móveis para compartilhar a localização de viaturas do ICE, muitas vezes acompanhando-as durante diligências. Mas essa prática, que combina tecnologia e resistência comunitária, é legal? Quais são os riscos e as implicações éticas?
O Contexto: Comunidades de Imigrantes Sob Pressão
Com o aumento das operações de deportação, impulsionado por novos recursos financeiros, o ICE tem intensificado suas ações em comunidades de imigrantes, incluindo brasileiros, que formam uma população estimada em mais de 1,5 milhão nos EUA. Em resposta, redes de apoio comunitário têm se organizado para proteger famílias vulneráveis. Plataformas digitais, como o Padlet, e aplicativos específicos, como o ICEBlock, com mais de 1 milhão de usuários em Austin, Texas, e outro com 80.000 usuários em Long Island, Nova York, tornaram-se ferramentas essenciais.
Esses aplicativos permitem que voluntários relatem avistamentos de agentes do ICE, muitas vezes verificando informações com checagens presenciais ou consultas a departamentos de polícia locais para garantir precisão. Em Los Angeles, a organização Union del Barrio lidera esforços para monitorar áreas de preparação do ICE, como em Terminal Island, a 20 milhas do centro da cidade. Ativistas acompanham veículos do ICE, mantendo distância, e usam redes sociais para alertar comunidades sobre os movimentos dos agentes, visando proteger famílias de detenções inesperadas.
É Legal Rastrear o ICE?
A Primeira Emenda da Constituição dos EUA protege a liberdade de expressão, incluindo o direito de registrar e compartilhar informações sobre agentes do ICE em espaços públicos. Seis especialistas jurídicos consultados por fontes confiáveis afirmam que monitorar agentes em áreas públicas é amplamente legal, desde que não haja interferência direta nas operações.
Tribunais americanos têm consistentemente apoiado o direito de gravar agentes em público, uma prática comparável a aplicativos como o Waze, que alerta sobre blitze policiais. No entanto, a intenção por trás do rastreamento pode criar complicações legais.
Um especialista da Heritage Foundation aponta que, diferentemente de aplicativos que incentivam o cumprimento da lei (como reduzir a velocidade ao avistar a polícia), aplicativos de rastreamento do ICE poderiam ser interpretados como encorajadores de violações migratórias, abrindo uma possibilidade estreita para processos judiciais. A procuradora-geral dos EUA chegou a alertar que o desenvolvedor de um aplicativo popular não estaria protegido constitucionalmente, embora nenhuma ação legal tenha sido formalizada até agora. Um representante do Departamento de Segurança Interna reforçou que interferir com a aplicação da lei federal, como obstruir ou atacar agentes, é crime, e aqueles que usam aplicativos para cometer infrações serão responsabilizados.
Os Riscos Práticos
Mesmo que legal, rastrear viaturas do ICE é uma prática arriscada. O ICE utiliza tecnologias avançadas, como sistemas da Palantir Technologies, para monitorar comunidades de imigrantes e suas redes de apoio, incluindo plataformas digitais usadas para alertas. Ativistas relatam que a vigilância do ICE se intensificou, aumentando o risco de retaliação indireta, como no caso de uma funcionária do Departamento de Justiça demitida por sua ligação com um aplicativo de rastreamento.
Para imigrantes indocumentados, o risco é ainda maior, pois qualquer exposição pode atrair a atenção das autoridades.
Para ativistas, rastrear o ICE é uma questão de justiça social. “Estamos protegendo famílias inocentes, incluindo crianças e cidadãos americanos, de serem tratados como pacotes de entrega”, diz um ativista de Long Island, cuja organização, Islip Forward, verifica cuidadosamente os relatos antes de emitir alertas. A prática é vista como uma resistência contra um sistema que, segundo ativistas, opera como um “aparato repressivo” contra comunidades vulneráveis. Por outro lado, o governo argumenta que tais ações protegem “criminosos” e obstruem a aplicação da lei. Essa narrativa cria um conflito ético: enquanto ativistas veem o monitoramento como uma forma de proteger direitos humanos, as autoridades o consideram uma ameaça à segurança pública.
Organizações como o Immigrant Defense Project enfatizam a importância de conhecer os direitos dos imigrantes, como o de permanecer em silêncio ou exigir um mandado judicial, complementando os esforços de monitoramento.
O Papel das Comunidades Brasileiras
A comunidade brasileira nos EUA tem se engajado ativamente em redes de apoio, usando aplicativos e grupos de mensagens para alertar sobre operações do ICE. No entanto, brasileiros indocumentados que participam de ações de monitoramento enfrentam riscos adicionais, especialmente em um contexto de vigilância intensificada.
O rastreamento de agentes do ICE, seja por aplicativos como o ICEBlock ou por monitoramento direto, reflete a resiliência de comunidades diante de políticas migratórias agressivas. Embora protegido pela Constituição em muitos casos, o acompanhamento ativo de viaturas e a emissão de alertas podem ser interpretados como obstrução da justiça, especialmente se envolverem intenção de interferir nas operações do ICE. Com o governo intensificando a vigilância e ameaçando ações legais, ativistas e imigrantes devem agir com prudência.
Se você é um imigrante ou ativista e deseja se envolver em ações de apoio, procure organizações de defesa dos direitos dos imigrantes ou contate um advogado especializado. Conheça seus direitos e aja com cuidado.