
Em 6 de agosto de 2025, Hiroshima assinala 80 anos desde o bombardeio atômico que mudou o curso da história. Às 8h15, horário exato da explosão da bomba “Little Boy” em 1945, uma multidão se reuniu no Parque Memorial da Paz para uma cerimônia solene. O primeiro-ministro japonês Shigeru Ishiba, o prefeito Kazumi Matsui e representantes de 120 nações prestaram homenagem às cerca de 78.000 pessoas mortas instantaneamente e às estimadas 140.000 que pereceram até o fim daquele ano devido à radiação e queimaduras. O evento, marcado por silêncio e reflexão, também trouxe à tona preocupações com a busca crescente por poder nuclear em um mundo tensionado por conflitos em Gaza, Ucrânia e além.
Entre as vozes que remetem a esse passado devastador, destaca-se o testemunho de Paul Tibbets, piloto do Enola Gay, o B-29 que lançou a bomba sobre Hiroshima. Em uma entrevista à NPR em 2000, Tibbets descreveu o momento da explosão com uma clareza perturbadora: “Eu vi o céu à minha frente se iluminar brilhantemente com todos os tipos de cores. E, ao mesmo tempo, senti o sabor do chumbo na boca.” Ele relatou que, onde antes via a cidade, restava apenas “uma massa de detritos fervendo, com fogo e fumaça”. Esse “sabor de chumbo”, segundo estudiosos, pode ter sido causado pela interação da radiação ionizante com obturações dentárias metálicas, um fenômeno relatado em outros eventos de alta exposição, como Chernobyl. Embora Tibbets estivesse a cerca de 9 km do hipocentro, a intensidade da explosão e sua onda de choque marcaram sua percepção de forma indelével.
Lançada às 8h15 de 6 de agosto de 1945, a bomba atômica matou dezenas de milhares instantaneamente e deixou um rastro de sofrimento prolongado. Três dias depois, Nagasaki sofreu um ataque semelhante, levando o Japão a oferecer rendição em 10 de agosto, encerrando a Segunda Guerra Mundial. O presidente Harry Truman, em um pronunciamento à época, justificou o uso da bomba como meio de “encurtar a agonia da guerra” e salvar vidas, mas o custo humano foi avassalador: em Hiroshima, mais de 100.000 pessoas morreram, e dezenas de milhares sofreram os efeitos a longo prazo da radiação.
Tibbets, que faleceu em 2007 aos 92 anos em Columbus, Ohio, defendeu sua missão até o fim, rejeitando críticas de que o bombardeio foi imoral. “A guerra em si é imoral”, disse ele à NPR, argumentando que prolongar o conflito teria causado ainda mais mortes. Sua perspectiva, porém, contrasta com a dos sobreviventes de Hiroshima, os hibakusha, cuja média de idade hoje é de 86 anos e cujo número está abaixo de 100.000. A organização Nihon Hidankyo, formada por hibakusha, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2024 por sua luta pela abolição das armas nucleares.
Na cerimônia de 2025, o prefeito Matsui criticou a normalização das armas nucleares como ferramentas de dissuasão, pedindo que o Japão ratifique o Tratado de Proibição de Armas Nucleares. Os hibakusha, representados por figuras como Keiko Ogura, expressaram alarme com o aumento das tensões globais. “O risco de um conflito nuclear está mais alto do que nunca”, disse Ogura, apontando para a retórica beligerante de nações em busca de poder atômico. A presença de representantes de 120 países na cerimônia reflete a urgência de um diálogo global sobre desarmamento, em um momento em que nações como Coreia do Norte, Irã e outras potencias intensificam seus programas nucleares.
O “sabor de chumbo” descrito por Tibbets permanece como um símbolo inquietante do impacto humano da energia atômica, tanto para os que executaram quanto para os que sofreram suas consequências. Oito décadas após Hiroshima, a cidade se ergue como um lembrete vivo da destruição que o poder nuclear pode causar e da necessidade de evitar sua repetição.