
Boston, 11 de novembro de 2025
Mulheres imigrantes em situação irregular que sofrem violência doméstica tornaram-se ainda mais invisíveis desde o endurecimento das políticas de deportação. Casos graves de espancamento, queimaduras com água quente, cortes e ameaças de morte diante de crianças pequenas raramente chegam aos tribunais: o medo de contato com o ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas) supera o medo do agressor.
Dados oficiais do USCIS mostram que, até junho de 2025, 415 mil pedidos de visto U – mecanismo criado exatamente para proteger vítimas de crimes que colaboram com a Justiça – permanecem paralisados, dentro de um backlog recorde de 11,6 milhões de processos migratórios. O limite anual de 10 mil vistos foi esgotado em 9 de outubro, condenando novas solicitantes a esperas que já ultrapassam 15 anos para casos mais antigos.
Um levantamento da Alliance for Immigrant Survivors, realizado em 2025 com 170 advogados especializados, revelou que 75% dos imigrantes atendidos evitam qualquer contato com a polícia por receio imediato de prisão ou deportação, o que agrava o ciclo de abuso e isola famílias inteiras. Outro estudo da Tahirih Justice Center, com 715 profissionais entre 2024 e 2025, confirmou o chamado “efeito silenciador”: a maioria das vítimas prefere suportar novos episódios de violência a arriscar a expulsão, com 79,7% dos respondentes notando aumento nas consultas sobre riscos migratórios.
A saúde reflete o isolamento. Pesquisa publicada em 2024 pela Johns Hopkins apontou prevalência vitalícia de abuso por parceiro íntimo de até 93% em alguns grupos imigrantes – mais que o dobro dos 41% registrados entre mulheres nascidas nos EUA. Entre as sobreviventes, 85% vivem abaixo de 200% da linha federal de pobreza, com taxas elevadas de transtorno de estresse pós-traumático, depressão e tentativas de suicídio agravadas pelo clima político atual.
O impacto nas crianças é devastador. Estudos de 2024 e 2025 mostram que filhos de vítimas expostos à deportação parental apresentam pior saúde geral, problemas comportamentais, dificuldades acadêmicas e maior risco de TEPT, depressão e ideação suicida. A separação familiar causa estresse tóxico crônico, com crianças exibindo ansiedade, agressividade e isolamento social; um estudo com adolescentes cidadãos americanos de pais deportados registrou declínios significativos em desempenho escolar e bem-estar emocional, com efeitos de longo prazo em saúde mental e física. Ameaças de perda de custódia ou separação são usadas como controle pelos abusadores, ampliando o trauma intergeracional.
O acesso a serviços básicos desabou. Gestantes evitam pré-natal inteiro; bancos de alimentos registram ausência de famílias inteiras. Desde setembro, a exclusão de imigrantes sem autorização do programa federal Section 8 aumentou em 40% o risco de despejo entre as atendidas por organizações de apoio.
Os centros de acolhimento, por sua vez, triplicaram o volume de chamadas nos quatro meses após a posse do atual governo, mas operam com equipes reduzidas e cortes de verbas federais. Para localizar mulheres que se escondem, voltaram ao trabalho porta a porta: cabeleireiros, mercadinhos e igrejas comunitárias tornaram-se a única rede de alerta possível.
Para centenas de milhares de mulheres e suas crianças presas entre o agressor e o medo do Estado, o silêncio tornou-se a única estratégia de sobrevivência – ainda que temporária, com consequências geracionais.


