Radio France Internationale – A Suprema Corte dos Estados Unidos adiou mais uma vez a aguardada decisão sobre o acesso à pílula abortiva amplamente utilizada no país, a mifepristona.
Com o adiamento, foi permitido o pleno acesso ao medicamento por pelo menos mais 48 horas, prazo que vence à meia-noite de sexta-feira (21).
Este é mais um capítulo de uma longa saga que desanima os defensores do direito ao aborto e das mulheres. Há menos de 10 meses, a Suprema Corte, de maioria conservadora (6 juízes indicados pelos republicanos contra 3 democratas), revogou o direito constitucional ao aborto no país, que havia sido uma conquista do início da década de 1970.
Como consequência dessa decisão, o governo de Joe Biden ampliou o acesso à pílula abortiva, vendida em farmácias, e então a droga acabou sendo o novo alvo dos conservadores.
Desde novembro, os conservadores começaram uma escalada para mirar a pílula, usada em mais da metade dos abortos nos Estados Unidos. Mais de cinco milhões de mulheres americanas já tomaram a mifepristona desde que foi autorizada pela agência reguladora de medicamentos (FDA), há mais de 20 anos.
Porém, nas últimas duas semanas, a decisão de proibir a venda da pílula abortiva, decretada pelo juiz federal do Texas Matthew Kacsmaryk, em 7 de abril, deu início a um embate judicial e também a uma briga política e científica em torno do aborto.
O fato de o tribunal não ter cumprido o prazo e estar adiando mais uma vez seu parecer sobre o caso – a primeira vez foi na semana passada – levanta especulações de que pode haver desacordo entre os juízes.
Apesar de a maioria conservadora ter conseguido derrubar o direito constitucional ao aborto no ano passado, a decisão de proibir o uso da pílula abortiva não está tão simples assim. O adiamento pode indicar uma dissidência ou mesmo que os juízes não queiram comprar briga com a agência FDA, ou quem sabe com a indústria farmacêutica.
Empurra-empurra
As partes tinham até terça-feira (18) para apresentar suas alegações. A coalizão antiaborto, em sua argumentação, insistiu que a Suprema Corte mantivesse a sentença do juíz do Texas ressaltando que se a medicação continuar liberada, “provocará mais complicações físicas, trauma emocional e, inclusive, a morte de mulheres”.
Os grupos antiaborto alegam que a FDA e o laboratório que fabrica a droga (Danco) não seguiram os protocolos adequados quando aprovaram a mifepristona no ano 2000, e ignoraram os perigos nas duas décadas seguintes.
Já a FDA cita estudos científicos que comprovam a segurança da pílula. Segundo a agência reguladora, o monitoramento feito ao longo de 20 anos de uso da droga demonstra que as complicações graves são raras e menos de 1% das pacientes precisam de hospitalização.
O Departamento de Justiça, que está à frente da defesa da venda da substância, sustenta que a decisão do juiz do Texas se baseou em uma “avaliação profundamente equivocada” da segurança da pílula.
A deputada democrata Katherine Clark destacou nesta quarta-feira que a Suprema Corte “enfrenta uma escolha entre manter um fato legal e científico ou capitular frente ao extremismo”.
Muitos cientistas e analistas políticos americanos temem que esse processo abra um precedente perigoso, ao permitir que o Judiciário interfira na autonomia da agência que regulamenta os medicamentos. O caso da pílula abortiva pode abrir o caminho para que os tribunais proíbam, sob argumentos ideológicos, outros procedimentos e drogas, como, por exemplo, vacinas ou antidepressivos.
Como funciona o aborto por medicamentos
O aborto por meio da ingestão de medicamentos é um procedimento feito, geralmente, nas 12 primeiras semanas de gravidez. Duas drogas distintas são usadas no procedimento. A primeira delas, a mifepristona, bloqueia a progesterona, hormônio que permite o desenvolvimento da gravidez; a segunda, o misoprostol, tomada um ou dois dias depois, provoca contrações e ajuda o útero a expelir seu conteúdo.
Caso a mifepristona for proibida, já há a discussão de continuar a fazer o procedimento somente com a segunda substância. Porém, essa abordagem terapêutica não tem uma resposta tão efetiva quanto a que combina as duas drogas.