
Malden, 29 de Outubro de 2025
A Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados realizou, na manhã desta terça-feira (28), uma audiência pública para discutir as crescentes denúncias de violações de direitos humanos sofridas por brasileiros nos Estados Unidos. O encontro reuniu especialistas, parlamentares e representantes da sociedade civil em um debate que expôs o lado humano e político da crise migratória, com exibição de vídeos contendo relatos de deportados e familiares de detidos.
A sessão foi requisitada pelo deputado Reimont (PT-RJ) e contou com a presença de representantes dos ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e das Relações Exteriores (Itamaraty), que reafirmaram a prioridade do governo federal em garantir acolhimento humanizado aos repatriados. A comunidade brasileira nos EUA é estimada em mais de 2 milhões de pessoas, concentradas principalmente na Flórida, Massachusetts, Califórnia, Nova Jersey, Nova York, Texas e Connecticut, muitas em situação migratória vulnerável.
Entre os convidados estiveram Álvaro de Castro e Lima, fundador do Instituto Diáspora Brasil (IDB), baseado em Boston; a professora Deidre Conlon, da Universidade de Leeds, coautora do livro Immigration Detention Inc. – The Big Business of Locking Up Migrants; a deputada estadual Priscila Souza, de Massachusetts; o advogado Antônio Massa Viana; Heloisa Galvão, diretora-executiva do Grupo Mulher Brasileira (Brazilian Women’s Group), organização sediada em Boston que há mais de 25 anos oferece apoio a mulheres imigrantes em situação de violência doméstica, exploração laboral e vulnerabilidade migratória; e a professora Sueli Siqueira, da Universidade Vale do Rio Doce (Univale).
Perfil dos deportados e condições de repatriação
Até o momento, 2.230 brasileiros deportados foram acolhidos pelo programa “Aqui é Brasil”, lançado em janeiro de 2025 com duração inicial de 12 meses. Os atendimentos vão desde a chegada ao aeroporto até a reintegração social. De acordo com Ana Maria Gomes Raietparvar, chefe do setor de promoção dos direitos de migrantes, refugiados e apátridas no MDHC, 83% dos repatriados são homens e 17% mulheres. A predominância masculina decorre da estratégia norte-americana de deportar pais de família, na expectativa de que o restante do grupo retorne voluntariamente.“São histórias muito comuns de famílias separadas pela deportação, com pessoas em tratamento de saúde nos EUA sem que isso seja considerado pelos agentes imigratórios”, relatou Raietparvar. Ela informou que 40% dos deportados concluíram o ensino médio e 9% possuem ensino superior completo.
Nos Estados Unidos, 79% trabalhavam oito horas ou mais por dia, geralmente em empregos precarizados. A maioria tem entre 18 e 29 anos – faixa etária com os casos mais graves de abalo emocional e problemas de saúde mental. Em janeiro, o primeiro grupo de deportados denunciou condições degradantes durante o voo de repatriação, incluindo uso de algemas e correntes e longa espera em aeronaves sem ventilação adequada. O governo brasileiro classificou o episódio como violação de direitos humanos e descumprimento de acordos bilaterais.
A partir de agora, os voos de repatriação serão semanais, com destino ao aeroporto de Confins (MG).
Ações consulares, denúncias e impacto econômico
Aloysio Mares Dias Gomide Filho, diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares do Itamaraty, anunciou que consulados brasileiros nos EUA receberam orientação para visitar prisões de deportados e cobrar reparações em casos de violações. “Os consulados atuam com autoridades locais e contam com apoio da rede de associações de brasileiros no exterior, composta por profissionais, advogados e entidades de direitos humanos”, explicou. Ele acrescentou que a emissão de documentos de viagem está sendo agilizada para reduzir o tempo de detenção.
O advogado Antônio Massa Viana denunciou práticas do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) para coagir detidos a desistirem de processos migratórios. “Há um ataque ao devido processo legal. Imigrantes que seguiam as regras estão sendo presos e deportados”, afirmou. O endurecimento da política migratória tem gerado medo na comunidade brasileira, com ameaças de prisão por tempo indeterminado, elevando os casos de autodeportação.
Álvaro de Castro e Lima destacou que mais de 70% dos imigrantes brasileiros detidos desde janeiro não possuem antecedentes criminais, mas são presos em virtude de metas administrativas que exigem cerca de 3 mil detenções diárias. Ele alertou para a aprovação da Big Beautiful Bill, que destina US$ 170 bilhões ao sistema de imigração, ampliando o orçamento do ICE de US$ 9 bilhões para US$ 45 bilhões. “Vivemos um processo de desumanização sistemática. O que se instala é uma engrenagem movida por interesses econômicos e políticos, que lucra com o encarceramento e o sofrimento humano”, disse.
A professora Deidre Conlon reforçou o caráter lucrativo do sistema, descrevendo a detenção de imigrantes como “um negócio que prospera sobre a dor e o medo”. Denúncias incluem prisões arbitrárias, detenções sem mandado, transferências interestaduais, invasões a residências, locais de trabalho e templos religiosos, além de negligência médica, alimentação forçada e suicídios em centros privados.
Apesar das adversidades, Lima enfatizou a contribuição econômica: em 2023, meio milhão de trabalhadores brasileiros geraram US$ 35 bilhões para o PIB dos EUA e 277 mil empregos; 44 mil empreendedores criaram 279 mil postos, somando mais US$ 35 bilhões. Remessas ao Brasil saltaram de US$ 82 milhões (1975) para US$ 4,9 bilhões (2024), com um quarto dos EUA. “Migrar é um direito, não um delito”, afirmou.
Heloisa Galvão, do Grupo Mulher Brasileira em Boston, relatou o impacto desproporcional sobre mulheres e crianças, com casos de violência de gênero agravados pela deportação de provedores familiares e medo de buscar ajuda por risco de detenção.
Propostas parlamentares
O deputado Rui Falcão (PT-SP) propôs a criação de uma comissão pluripartidária para visitar prisões norte-americanas e avaliar as condições dos brasileiros detidos. “Essa política migratória alimenta a indústria de deportações, porque cada pessoa presa representa mais lucro para os presídios”, criticou. Reimont apoiou a iniciativa e defendeu a prorrogação do programa “Aqui é Brasil”.
Álvaro de Castro e Lima sugeriu diálogo diplomático imediato, criação de Frente Parlamentar de Defesa dos Imigrantes Brasileiros, envio de delegação congressional aos EUA e ampliação da assistência consular e jurídica. “Somos recebidos no Brasil quando deportados, em voos que lembram navios negreiros, mas abandonados aqui, onde mais precisamos de proteção. O silêncio diante do sofrimento humano é cumplicidade”, concluiu.
Visão americana sobre a aplicação das leis
Do ponto de vista das autoridades norte-americanas, as deportações seguem estritamente o Immigration and Nationality Act e priorizam a remoção de indivíduos que violaram as condições de entrada ou permanência no país. O Departamento de Segurança Interna (DHS) afirma que o uso de restrições físicas durante voos de repatriação obedece a protocolos de segurança padrão para prevenir incidentes em aeronaves com alto risco de fuga ou comportamento disruptivo.
Mais de 85% dos deportados brasileiros nos últimos 12 meses tinham ordens finais de remoção emitidas por juízes de imigração, após esgotados todos os recursos legais. O governo dos EUA argumenta que a aceleração dos processos responde a um backlog de mais de 3 milhões de casos pendentes e à necessidade de restaurar a integridade do sistema migratório, afetado por entradas irregulares recordes na fronteira sul.
Quanto à separação familiar, o DHS ressalta que pais deportados podem solicitar reunificação por vias legais, embora admita que a decisão final cabe às cortes. Durante a audiência, palestrantes compararam os voos de repatriação a “navios negreiros”. Essa narrativa, embora expressiva, serve para mobilizar apoio político no Brasil, mas simplifica a complexidade do sistema migratório americano.
Há, sim, um aumento de repressão migratória, prisões em locais sensíveis e violações de direitos em alguns casos, mas dentro de um marco legal americano, ainda que criticável.
A audiência reforça a necessidade de diálogo bilateral e fortalecimento da assistência consular para proteger os direitos dos brasileiros no exterior, ao mesmo tempo em que expõe o contraste entre a narrativa humanitária brasileira e a defesa americana de soberania na aplicação de suas leis migratórias.
Video da Conferencia
Fontes: Agência Câmara de Notícias; requerimento do deputado Reimont (PT-RJ); comunicados do Department of Homeland Security (DHS) e U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE); Instituto Diáspora Brasil; Brazilian Women’s Group.


