JCEDITORES – O presidente Donald Trump disse que estados e municípios que mantêm o que ele chama de “armadilhas mortais” de cidades santuários terão todo o financiamento federal suspenso. A declaração foi feita em uma postagem matinal na plataforma Truth Social, onde Trump afirmou que o tempo de cidades e estados oferecerem proteção legal a imigrantes ilegais acusados de crimes, enquanto recebem recursos federais, chegou ao fim.
“Chega de cidades santuárias! Elas protegem os criminosos, não as vítimas. Estão desonrando nosso país e sendo ridicularizadas pelo mundo”, escreveu Trump, sem fornecer detalhes adicionais sobre a implementação da medida. Ele afirmou estar “trabalhando em documentos para suspender todo o financiamento federal a qualquer cidade ou estado que permita a existência dessas armadilhas mortais”.
No estado de Massachusetts, nove cidades são consideradas santuários, incluindo Boston, que possui a Lei da Confiança (Trust Act), além de Amherst, Cambridge, Concord, Chelsea, Lawrence, Newton, Northampton e Somerville.
A governadora Maura Healey já declarou em diversas ocasiões que Massachusetts não é um estado santuário. Contudo, uma lei estadual impede que autoridades policiais e judiciais mantenham pessoas detidas além do período determinado por suas sentenças judiciais. Ainda assim, o estado busca responsabilizar qualquer pessoa que cometa crimes, independentemente de seu status migratório.
A questão foi decidida pela Suprema Corte Judicial de Massachusetts em 2017, antes do mandato de Healey, no caso Lunn v. Commonwealth. A corte determinou que um pedido de detenção civil por parte de autoridades federais de imigração não é motivo suficiente para manter uma pessoa sob custódia.
“A lei de Massachusetts não confere autoridade para que oficiais judiciais do estado prendam e mantenham um indivíduo apenas com base em um mandado federal de imigração civil, além do tempo em que ele teria direito a ser libertado da custódia estadual”, declarou a corte durante o primeiro mandato de Trump.
A prefeita de Boston, Michelle Wu, afirmou no início do último mês, em audiência no Congresso, que Boston não é uma cidade santuário, mas também não questiona o status migratório de pessoas antes de oferecer serviços disponíveis. A Lei da Confiança da cidade proíbe o Departamento de Polícia de Boston de se envolver em questões de imigração, embora permita cooperação em assuntos criminais.
“Em 2014 e em 2019, como membro do Conselho Municipal de Boston, votei com orgulho pela Lei da Confiança, que delineia a autoridade do Departamento de Polícia para colaborar com todos os níveis de aplicação da lei para fazer cumprir as leis criminais de Massachusetts. Essa autoridade, e suas limitações, foram reforçadas pela Suprema Corte de Massachusetts no caso Lunn v. Commonwealth: em Massachusetts, as agências de aplicação da lei não podem deter pessoas apenas por supostas violações civis de imigração”, disse Wu ao Comitê de Supervisão da Câmara.
Ela destacou, assim como a governadora em relação ao estado, que “se você cometer um crime em Boston, independentemente de seu status migratório, será responsabilizado”. Em dezembro, o Conselho Municipal de Boston aprovou uma resolução reafirmando a Lei da Confiança, enfatizando que a medida tem sido “essencial para promover um ambiente seguro e acolhedor para todos os residentes, garantindo que imigrantes possam interagir com as autoridades locais sem medo de deportação, fortalecendo assim a segurança pública e a confiança da comunidade”.
Apesar das declarações da governadora e da prefeita, a administração Trump considera Massachusetts e Boston como jurisdições santuárias.
Em 20 de março, a Casa Branca divulgou um comunicado afirmando que “a prefeita de Boston, Michelle Wu, dobrou sua aposta em oferecer santuário a imigrantes ilegais criminosos violentos” durante seu discurso sobre o estado da cidade. No início daquele mês, a Casa Branca destacou a prisão de um suposto “cidadão brasileiro e membro confirmado de gangue, condenado por agressão”, detido em Boston, como exemplo de resistência à luta de Trump contra as “cidades santuárias”.
Tom Homan, nomeado “czar de fronteira” pela Casa Branca, chegou a sugerir que levará “consequências severas” a Boston em apoio ao plano de Trump para deportações em massa, apesar da resistência local. Elizabeth Sweet, diretora executiva da Coalizão de Defesa de Imigrantes e Refugiados de Massachusetts, afirmou ao jornal local ‘Boston Herald’ que a retórica de Trump não altera a realidade em Boston, onde políticas migratórias têm promovido confiança entre as autoridades e a comunidade. “Não importa quantas vezes o presidente Trump ameace cidades como Boston, o fato é que ela é uma das cidades mais seguras dos Estados Unidos. Suspender financiamento federal porque líderes municipais desejam criar confiança entre comunidades imigrantes e autoridades locais não faz sentido. Em vez de culpar os imigrantes repetidamente, o presidente precisa reconhecer a verdade: os imigrantes impulsionam nossa economia e fortalecem nossa nação”, declarou Sweet.
Nem o gabinete da prefeita Wu ou da governadora Healey responderam as declarações do presidente.
O Caso Wilson Martell-LeBron e as Políticas de Santuário, o Imigrante Preso durante Julgamento por Agentes Federais
Um exemplo recente ilustra como as políticas de santuário que gerou controvérsias ocorreu no final de março de 2025, quando o imigrante Wilson Martell-LeBron, também conhecido como Juan Carlos Baez, um cidadão dominicano de 49 anos, foi detido por agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) durante um intervalo em seu julgamento no Tribunal Municipal de Boston.
Martell-LeBron estava sendo processado por delitos menores, incluindo fornecer informações falsas em um pedido de licença e falsificação. Contudo, ele já havia sido condenado anteriormente por tráfico de drogas, uma sentença de 11 anos, que foi anulada por questões técnicas.
Apesar de ser procurado por autoridades federais de imigração, as políticas de santuário de Boston, baseadas na Lei da Confiança, impediam que autoridades locais o entregassem ao ICE para fins de deportação, uma vez que ele não estava, dessa vez, sob custódia por crimes graves no momento. Boston colocou em pratica as políticas que proíbem a cooperação da polícia local com o ICE em questões de imigração civil, permitindo que indivíduos, mesmo com antecedentes criminais, como Juan Carlos Baez, permaneçam na comunidade enquanto enfrentam acusações menores.
Frustrados com essa barreira, agentes do ICE optaram por deter Martell-LeBron (Juan Carlos Baez) fora do tribunal, no intervalo de uma audiência, o que gerou indignação judicial.
O juiz Mark Summerville acusou o ICE de obstrução de justiça, argumentando que a prisão violou o direito de Martell-LeBron a um julgamento justo. As acusações locais contra ele foram descartadas, e o agente do ICE, Brian Sullivan, foi considerado em desacato ao tribunal. O caso expôs tensões entre as autoridades locais, que defendem a autonomia de suas políticas, e as federais, que buscam maior controle sobre a imigração.
As políticas de santuário, como as de Boston, são projetadas para proteger imigrantes, promovendo confiança nas instituições locais ao garantir que eles possam acessar serviços públicos ou denunciar crimes sem medo de deportação. No entanto, críticos argumentam que essas políticas podem, em alguns casos, oferecer proteção a indivíduos perigosos, como Martell-LeBron, que, apesar de seu histórico criminal, não foi entregue às autoridades federais até que o ICE agisse diretamente. Este é apenas um entre muitos casos que alimentam o debate sobre o equilíbrio entre segurança pública e proteção aos direitos dos imigrantes.
Perspectiva crítica
É importante questionar as narrativas de ambos os lados. A ideia de que cidades-santuário são “santuários para criminosos” muitas vezes exagera a realidade, já que dados mostram que imigrantes, documentados ou não, têm taxas de criminalidade semelhantes ou inferiores às da população geral.
Por outro lado, a visão de que essas cidades são apenas refúgios humanitários ignora os desafios de gerenciar grandes populações sem documentação, especialmente em termos de recursos públicos.
Além disso, a retórica de Trump pode ser vista como uma estratégia política para mobilizar sua base, desviando a atenção de outros problemas domésticos. Da mesma forma, líderes de cidades-santuário podem usar sua resistência para fortalecer sua imagem progressista, mesmo que isso implique tensões com o governo federal.
De um lado, há a preocupações legítimas com o cumprimento da lei e a segurança; do outro, a necessidade de proteger comunidades vulneráveis e preservar valores humanitários. O desfecho dependerá de decisões judiciais, negociações políticas e da resposta das comunidades afetadas. Enquanto isso, o clima de incerteza continua impactando milhões de imigrantes e as cidades que os acolhem.
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